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Samanta, a maçã e a cura. Probabilidade X Diagnóstico e Terapêutica

Operadora de telemarketing trabalhava 6 hora por dia. Em frente, um computador sempre fora da rede, ao lado, um fone de ouvido que não parava de gritar e atrás, uma gerente que pressionava por produtividade. Nome de feiticeira, corpo exagerado e sensibilidade de menina, Samanta se virava nos trinta… Durante o expediente sentia uma leve dor lombar. Atendida pela turma da ginástica laboral, saiu o primeiro diagnóstico e tratamento. Parecia que os exercícios melhoravam a dor. A procura do que a molestava, o cardiologista fez um diagnóstico cardiológico, o psiquiatra um psiquiátrico e o ginecologista um ginecológico e é claro que o fisiatra recomendou fisioterapia. Hoje em dia ou você acerta na “loteria” quando tem um problema de saúde ou vai sair por aí cheio de diagnósticos e tratamentos pouco eficazes. Não que tenham sido inventados, pois Samanta estava mesmo com a pressão levemente alterada, ansiosa e com um corrimento recidivante. Mas buscar a cura desta paciente tratando sistemas isolados é o mesmo que tentar conduzir uma vaca puxando pelo rabo. A propósito o endocrinologista falou numa tal de síndrome metabólica…

Meses se passaram e apesar da melhora, Samanta ainda não se sentia confortável. Uma boa amiga lhe recomendou uma psicóloga que atribuiu seu mal estar aos conflitos com a mãe, o sexto diagnóstico. Como não podia trocar de mãe e seu plano não reembolsava as consultas para a reposição materna virtual, interrompeu a terapia.

Como é possível tantos diagnósticos para uma só criatura? Talvez a resposta não esteja apenas na empresa do mal, nos doutores do bem ou na paciente problemática. Talvez o problema esteja no processo de diagnose e tratamento.

Imaginemos uma maçã. Isso, por dentro podre, por fora viçosa. Assim estava Samanta. Como chegar ao núcleo podre? Podemos usar uma faca e cortar pedaços, tangentes da maçã, até encontrarmos a zona escura. É ou não semelhante ao que se faz em cirurgias e quimioterapias? Podemos também como nossas avós, descascar lentamente essa maça da periferia para o centro até revelar a podridão. Assim foi feito com Samanta, retirando a casca, bloquearam respostas fisiológicas compensatórias periféricas com anti hipertensivos, ansiolíticos e cremes vaginais. Terceira opção: olhar pacientemente para a maçã até encontrar aquele pontinho mais escuro, a ponta do iceberg, que nos leva ao desenganado, proposto pela psicóloga. Parece óbvio que tanto na primeira quanto na segunda estratégia ficaremos mais cedo ou mais tarde sem a maçã e isto de fato deve ser uma opção terminal. Mas, também ver o pontinho e dizer que o problema está internamente próximo ao caroço, não é terapêutico. Afinal são nos caroços, pai e mãe, que sempre está nossa origem biológica. Identificar e destruir a origem visível não resolve a enfermidade! Ou vocês acreditam que os antibióticos curam 100% das infecções bacterianas? Sem um trabalho continuado de desenssibilização dos “pontinhos obscuros”, reeducação física e mental, não acabamos com o sofrimento. É incrível que ainda nossa modalidade principal de diagnóstico e tratamento são baseados no corte de maçãs…

Vitimados por um viés matemático, nossa visão probabilística direcionada para o diagnóstico e a terapêutica busca o comum, o provável e nos ensina subliminarmente que ao excluirmos um pedaço da maçã aumentamos as chances de nos aproximamos do problema, o que é verdade. Destruímos o fruto, pois o erro é bem vindo no mundo probabilístico, pois aumentam as chances de acerto. Identificamos e tratamos probabilidades! Enfim, a pergunta é inevitável: Este é o melhor meio para decisões individuais em saúde? O que fazer diante deste paradigma?

Nem todos os meios de diagnóstico e tratamento se baseiam em probabilidades! Um olhar para o raro, diferente, incomum, não populacional, porém intenso, por contaminar todo o universo pessoal do enfermo, pode orientar uma terapêutica peculiar e específica para a cura.

Samanta depois de um longo penar encontrou o que precisava e como num feitiço diminuiu a ansiedade, se livrou dos anti hipertensivos e o corrimento desapareceu. A propósito sua mãe continuava a lhe importunar e seu trabalho também…

Sobre lobos e ovelhas

É singular dentre todas as questões da humanidade, a frenética necessidade que o homem tem em revelar verdades e mentiras. Tão eloquente quanto, são os consequentes rótulos que se seguem dividindo a mesma humanidade entre: honestos e disonestos, bons e maus, pobres e ricos e bonitos e feios. Para mim estas questões são sempre confusas, tem dupla face, em cada perspectiva um olhar diferente… São como mutações só possíveis de definição fotográfica, na velocidade de um flash. E é nesta mesma velocidade que as pessoas decidem, precipitadamente, entram em pânico e a solução normalmente fica pior que o problema. É por este motivo que neste breve texto decidi escrever sobre pessoas e não sobre circunstâncias… O conhecimento sobre pessoas é mais sólido que julgamento sobre as atitudes delas mesmas. E é com este objetivo que me atrevo a dissertar sobre lobos e ovelhas. Predador e presa. Culpado e inocente. Que me perdoem os verdadeiros Lobos e as Ovelhas…

Ovelhas normalmente não conseguem se passar por lobos ao contrário destes últimos, que facilmente se comportam como ovelhas. Pervertendo a ordem natural universal: nascimento, crescimento e morte, antecipam este último elemento aos primeiros. Não é tão difícil reconhecer lobos se passando por ovelhas quando temos tempo e paciência para observação. Os lobos, trabalham encurtando o tempo, urgenciando soluções e determinando diagnósticos, levando medo as ovelhas. No intuito de desgarrarem o bando, tornando as ovelhas presas mais fáceis. Menos numerosos que as ovelhas, não tem o dom da creação, somente o da morte. O encerrar de relações, amizades, famílias e afetos, o amor que liga o grupo de ovelhas. Astutos os Lobos esperam a hora de agir normalmente quando as ovelhas perdem seus líderes-pastores, agindo rapidamente. Não tem compaixão, mas demonstram muita emoção, se parecem com ovelhas, feridas ou isentas – apartidárias, são capazes de deitarem-se ao chão para que o bando passe por cima, como um tapete de falsa humildade. Não se contentam em caçar uma ovelha, deliciam-se com a ruptura do grupo, pois sua verdadeira fome é de vingança. Vingança esta que sua própria inveja e “a-bando-no” cunharam. Lobos são vaidosos, querem do bom e do melhor, só agem por interesse e se afastam quando nada mais tem a ganhar… Lobos acusam sem ofender, ovelhas ofendem sem acusar, não guardam rancor, são movidas pelo momento pelo salto das que lhe antecederam. Devotas ao que lhes foi ensinado agem repetidamente da mesma maneira. Tem seu olhar somente para sua família, não para a matilha. Lobos tem visão estratégica, mas nada criam. Ovelhas são míopes, mas procriam.

Logo ao se depararem com uma situação difícil em que lobos e ovelhas se misturam sem distinção, não tomem decisões precipitadas, lembrem-se que os lobos só são vencidos pelo cansaço e pela fome de não conseguir devorar, destruir a unidade e o amor. A coesão enfraquece o coiote. A convicção no ser bom, arremete para longe atitudes equivocadas e reflexas que este mesmo ser – por hora – com medo dos canibais toma precipitadamente. Coisas que podem ocultar e de palavras que podem ofender. As ovelhas sempre voltam para a sua família, para o seu pastor. Se perdem com a ausência do pastor. E quando não o fazem, passam uma vida envergando lobos em torno de si… As ovelhas transmitem esta noção de unidade e amor para seus filhos… E quando vão embora nos sentimos sem ter com o que nos aquecer…

Sobre o parlamento inglês, a ciência e a homeopatia

Sou médico homeopata há 20 anos e doutorando em medicina preventiva pela USP, São Paulo. E fico surpreso toda vez que vejo na mídia inferências políticas sobre a homeopatia. Desta vez o parlamento tenta acabar com verba mínima destinada ao estudo deste setor (500 mi), uma vez que gasta 13 bi com a medicina tradicional estatizada. Por estas razões tento explanar sobre alguns aspectos lógicos.

1) É verdade que os trabalhos relacionados a homeopatia, na chamada medicina baseada em evidências, são fracos e com muitos problemas metodológicos, afinal sem investimento privado algum nesta área e com pouquíssimo investimento público, estas pesquisas são dependentes de alguns heróis que abdicam de comprar um carro ou apartamento para fazer pesquisa.

2) Há um questionamento preliminar se estes estudos devam ser realizados no modelo epidemiológico tradicional, pois a homeopatia como a psicologia e a fisioterapia propõem tratamento muito individualizado, não sendo recomendado investigação populacional. Afinal a única coisa em comum com a medicina tradicional é que usa medicamento, mas sequer a escolha deste é dada em cima pressupostos fisiológicos similares a alopatia e a enantiopatia.

3) Existe um problema enorme na Europa com relação aos profissionais que exercem a homeopatia, não são médicos em sua maioria. Este sim é um problema maior, pois existe muito erro relacionado ao não diagnóstico e há omissão de tratamento necessário.

4) A homeopatia parece ter menos atuação sobre doenças e uma atuação ímpar sobre as enfermidades (sofrimento que rodeia a doença) o que coloca a assistência médica diante de um front inexplorado pelos programas de saúde pública e prevenção. Podendo vir a ser uma ferramenta poderosa na redução de custos numa área que ainda não encontrou uma saída efetiva e eficiente.

5) A homeopatia existe há mais de 200 anos apenas por proporcionar melhora aos seus pacientes, não se constituindo nenhuma seita, partido ou corporação, não está nem no curriculum das escolas médicas o que a meu ver, só aumenta a ignorância do profissional de saúde, cada vez mais doutrinado a prescrever “receitas de bolo”, perdendo inclusive a capacidade para resolver possíveis efeitos colaterais correlacionados.

Após esta argumentação convido os leitores a fazer um julgamento particular se:

1) Os investimento em pesquisa nesta área deveria aumentar ou diminuir.

2) Se a regulamentação, atribuição principal de um congresso ou parlamento não deveria ser em relação aos profissionais que a exercem e a regulação das escolas médicas, aptidão dos cursos e pós graduações. Afinal a quem verdadeiramente interessa a saúde, o paciente, este continuará a usar e a procurar alternativas… A menos que sua experiência seja nociva a sua saúde, o que até o momento também não foi comprovado.

Enfim lhes digo que a ciência assim como a homeopatia tem problemas a solucionar… Não a sufocar… A ciência pode trazer a segurança que a homeopatia precisa para uma maior difusão e a homeopatia pode trazer desafios a ciência para melhorar suas observações. Então por que colocar político no meio, sufocando o pouco financiamento que existe de uma prática que há meu ver, tem muito a contribuir com o bem estar das pessoas…

O inferno é o outro, Lycopodium clavulatum

“O inferno é o outro…”

É muito comum ao analisar uma pessoa doente nos focarmos nos seus sofrimentos desenvolvendo uma compaixão que ajuda a terapêutica, mas, algumas vezes, não nos deixa perceber aquela pessoa, diante de uma situação de menor fragilidade.

Uma moça, sentada e chorando debaixo de uma árvore antiga e frondosa, buscava refrescar a sua alma na única sombra daquela vastidão arenosa. Foi quando entre um soluçar e outro, perguntou para si própria:

– Por quê sou gorda?
Uma voz respondeu:
– Porque você come demais!
Assustada, retrucou:

– Quem está falando? Socorro!

– Larga de ser boba mulher, que estou muito velho para brincar de pique-esconde.

– É você, senhor?! Me desculpe, mas nunca conversei com um carvalho antes…

– Também nunca sentou aí embaixo ninguém que eu não conseguisse cobrir totalmente com minha sombra.

– É, tá querendo dizer que eu sou gorda mesmo.

– Snif, snif! Não fale assim, pois não fica bem para uma árvore milenar como eu, começar a chorar.

– Árvore não chora.

– Quem disse isso a você, além de pesada é ignorante.

– Tá bom, desculpa.

– Oh, garota! Olhe pra cima. Está vendo este monte de frutas aqui dependuradas.

– Não… Espere, tem uma lá em cima, mas está muito alta.

– É isso aí, toda vez que alguém me conta uma história triste, cai uma fruta… Elas são as minhas lágrimas, sua idiota.

– Pode xingar, eu sei que sou isso mesmo, é igualzinho quando a Marta começa a brigar com as meninas.

– Lá vem este papo outra vez de “minha chefe é isso, minha chefe é aquilo…”

– Que minha chefe o quê, a Marta é minha funcionária.

– Funcionária? Então a demita, ora bolas…

– Demitir a amante do dono da empresa, se bobear ela é que me puxa o tapete. Pensava que era amiga dela, mas agora vejo que tenho é medo de sua arrogância.

– Hum! E o que tem haver a comilança com isso?

– Tem que para melhorar o clima entre as meninas, compro pão de queijo, deixo em cima da mesa para que todas possam comer e quando percebo, comi tudo sozinha…

– Ah, Ah, Ah!, mas é uma imbecil mesmo.

– Imbecil é você, seu carvalho de meia tigela, velho e solitário, tomara que um raio caia em sua cabeça.

Foi quando de repente viu-se uma luz cair do céu e espatifar o carvalho em mil pedaços. Ao observar os restos do carvalho, a moça percebeu que tinha se transformado em uma planta rala e rasteira, um Lycophodium. Sem que tivesse tempo para levantar a cabeça, a fruta que outrora se escondia no carvalho, caiu em suas mãos. Como num piscar de olhos a garota comeu a fruta que deliciosamente abateu sua fome e sua sede. Mas qual não foi sua surpresa, ao chegar na semente de formato esquisito, que parecia se mexer. Ficou então, ali posicionada, olhando-a embevecidamente e bem no centro da semente ali estava sorridentemente brincando de roda: ela, o carvalho e a Marta…

Inferno é um lugar tão escondido quanto a semente do carvalho, que guarda segredos de nós mesmos, contidos em nosso subconsciente. Procuramos nos acolher, como no carvalho, sob aquilo que nos parece comum e não nos ameaça. E somos vítimas da arma que carregamos conosco.Na verdade a garota, o carvalho, o Lycophodium e a Marta são a mesma pessoa, em momentos diferentes, alimentando-se da arrogância – o fruto do carvalho. Apesar de utilizar o poder de subjugar o outro, o desejo essencial dos sujeitos é a segurança, manifesta quando “ela”, num momento de fragilidade, senta-se à sombra dela mesma, o carvalho. E revela-se ao sofrer as chacotas da árvore maldita, que sequer a refrescava – só parecia frondosa – ameaçando-a com seus próprios medos, até vê-la se transformar naquilo que ela é: uma planta rala e rasteira.
Para fazermos um diagnóstico e ajudar estas pessoas corretamente, é necessário olharmos para o contexto em que elas estão inseridas, os relacionamentos que têm, de que sofrem e como reagem às farpas que, quotidianamente, são atiradas ao leu e as procuramos desatentamente por parecer um carvalho frondoso e refrescante.

Poder: arrogância, desejo: segurança pela autoridade, medicamento: Lycopodium

Germinando

Os germes “modernos” são o abandono, a tristeza, a frustração, a menos valia, a indignação, a injustiça, a desconfiança, o ódio. E, como já vimos, contaminam não pelo ar, mas pelo olhar, através de maus relacionamentos. E o que é um relacionamento mal estruturado? É aquele que atende basicamente mais um indivíduo que outro. E por que são estruturados desta forma? Para que haja uma estrutura desta natureza, é necessário que se dê diferentes pesos aos objetos do desejo. Dinheiro e poder valem mais que tempo e trabalho – inversão de valores – o resultado é mais importante que os meios para consegui-los. Comida virou ponto de referência para extração de energia na sociedade urbana, esquecendo-nos que os relacionamentos também são geradores de energia. Alguns valores urbanos como a solidariedade, são esquecidos, talvez por uma estrutura de transportes, médica e educacional farta. Valores são perseguidos por nós incondicionalmente, sem que observemos nossos verdadeiros desejos. Sofremos todos, poderosos e oprimidos, possuidores e despossuidores. Carregarmos o peso de grandes decisões, adoecermos pelo esforço, desenvolvendo estados de fadiga absoluta, de ansiedade, de câimbras, de sudorese profusa, sem conseguirmos, nem mesmo, manter nossa concentração no trabalho. Obesos que não conseguem reter energia pelo afeto, com uma demanda excessiva, buscam incansavelmente fontes de energia em seus relacionamentos, até esgotarem o amor do outro.

Sentimentos transformam-se em doença crônica, encapsulados numa redoma, sem germinar. Sem serem exercitados no dia-a-dia ou esgotados até o último suspiro, desenvolvem uma atmosfera que apodrece ao longo do tempo, dando espaço para o surgimento de moléstias que agridem o próprio corpo.

Contágio

Diante das calamidades públicas, com morte de quase dois terços da civilização humana até meados do século XIX, os estudiosos da época encontravam naquele ambiente a essência para o estudo do homem. Uma das muitas perguntas que se faziam na época era por que determinadas doenças acometiam uns e não outros. A resposta veio ao longo dos anos seguintes por diversos canais. Através das descobertas dos microorganismos e vetores (mosquitos) como agentes transmissores de doenças, pareceu-nos em determinado momento que havíamos solucionado as causas das moléstias epidêmicas e endêmicas que acometiam o homem.

No que pese a enorme contribuição social que os processos de higienização trouxeram para a sobrevida humana, temos nos deparado freqüentemente na clínica, com doenças endêmicas, multicausais, que assolam a sociedade ocidental com problemas limitados de saúde. A globalização tem evidenciado este problema, tornando refém dessas moléstias as civilizações que mais espetacularmente vivenciam esta cultura. Dentre elas, a americana e a nossa civilização urbana. A obesidade, a ansiedade, a depressão e a criminalidade são exemplos óbvios e atuais desse processo de adoecer e contra os quais temos tido grande insucesso. As ferramentas clássicas de que dispomos são ineficientes ou incompatíveis com qualidade de vida.

O século XVIII, o último antes da revolução microbiana, esmerou–se na identificação de processos patológicos de causa “imaterial” e foi muito feliz em estabelecer nexo entre doenças e sentimentos. Abandono, medo, tristeza e ódio são exemplos de sentimentos encistados em nossa sociedade “moderna” e que identificamos na gênese de doenças, como nas mencionadas anteriormente. Quando vivenciados como uma “semente vegetal, capaz de reter sua capacidade de germinar, durante longos períodos de tempo”, são capazes de se transformar em patologias identificadas pelo médico comum e pela sociedade.

No dicionário de língua portuguesa também se define como doente aquele que sofre de mal moral. E moral é um conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada, relativo ao domínio espiritual (em oposição ao físico ou material). A dor, dentro deste contexto, advém da ausência de reciprocidade dos nossos sentimentos, com os sentimentos alheios e com o ressentimento, e da idéia de que o outro tem interesse oposto ao seu. A inveja e a ira reconhecidamente os piores sentimentos perceptíveis no ser humano, tidos como pecados capitais, recheiam um universo de relações que caracterizam o contágio.

Esta transmissão se dá pessoa a pessoa pela comunicação entre elas, nos ambientes de trabalho, de família, em grupos de amigos, reuniões sociais etc., roubando a força de organização de saúde dos indivíduos sensibilizados, contaminando-os. Logo, a mecânica terapêutica pode ser mais abrangente que as restritas consultas individuais e tem de contemplar o grupo, medicando-o uniformemente, após a identificação da cultura perversa instalada. É vasta, hoje em dia, a disponibilidade no mercado de remédios da fauna, da flora, dos minerais e dos metais que, usados em doses mínimas, segundo uma experimentação prévia, são capazes de fazer germinar a “semente” encistada dentro de nós, autentificando as relações, diminuindo as doenças e melhorando a produtividade dos grupos, das empresas e da sociedade.

Pérola, Calcárea carbônica

Disse uma ostra para uma outra visinha:

– Sinto grande dor dentro de mim! É algo pesado e redondo que me deixa deprimida…

A outra sorridente agradecia ao céu e o mar por estar sã e em completa comunhão com a natureza. Foi quando passou um caranguejo que ao ouvir a conversa falou:

– Sim você está boa e sã, mas a dor que sua colega tem, é uma pérola de excessiva beleza…

Uma pérola é um templo construído pela dor em torno de um grão de areia. Todo bom e grande homem que conheci, tinha alguma coisa pequena em sua formação, que o incomodava, mas ao mesmo tempo o impedia da inatividade, loucura ou suicídio. Assim como as tartarugas medindo cada passo de suas vidas, essas pessoas, conheciam melhor a estrada que os velozes coelhos. Porém quando adoecem essas características se transformam em lentidão, fragilidade, deficiência nutricional, mesmo que obesas e quando suas idéias não conseguem se transformar em realidade ficam obsessivos:

– Não consigo pegar um copo d´água que fico com minhas pernas doces…

– Acho que estou ficando louco, há um medo que me possui…
Enquanto suava na cabeça, Pedro dizia sentir um frio que se configurava em suas mãos e pés gelados. Desejava se sentir tão seguro que decidiu trabalhar um tempo como carcereiro voluntário em um presídio e perguntado do porquê de tal atitude, respondeu:

– Lá eu sei o que fazer para que nada me aconteça… É diferente de você estar na rua se escondendo atrás de uma bala perdida, que pode te achar…

Obstinado, sofria pelo poder do inusitado, da surpresa, daquilo que o movimento das marés podem nos trazer que não esperamos. E no seu caso esperava sempre algo ruim. Desejava controlar seu futuro e a cada dia que passava se dedicava mais aos negócios. Precavido em demasia já havia tomado um “sem número” de remédios e chegou absolutamente indiferente quando do falecimento de seu filho, que relatava como se fossem coisas da vida…

– Tudo bem, Deus quis assim…

Lembro-me depois de iniciado o tratamento, que queixava-se de piora geral, lembranças do seu pequeno o faziam chorar:

– Minha gota que já havia sarado voltou…

– No outro dia acordei com uma batedeira no peito danada, fui até ao cardiologista, mas ele disse que não era nada os exames estavam todos normais…

– Dr não tenho nem mais vontade de ficar trabalhando, o que é que vai ser de mim…

Ao contrário do que Pedro poderia pensar, o fato de estar sentindo novamente era um sinal flagrante de melhora, estava reconstituindo seus nervos, sua sensibilidade. O que pretendia certamente era também controla-los, mas isto sem dúvida não é saúde.
A fé dele foi fundamental para persistir no tratamento, pois aos poucos suas preocupações com o futuro foram sumindo, sua atenção ao presente aumentando, o prazer pelas pequenas coisas retornando até perceber que já não mais carregava aquela concha, um fardo certamente maior que a proteção que ela mesma poderia lhe dar.

Poder: surpresa; desejo: saúde e bem-estar; medicamento: Calcária carbônica.

Fluxo, Phosphorus

Estamos subindo para o cume de nossos desejos e se algum alpinista roubar sua comida e sua bolsa e ficar gordo e pesado. Será digno de pena. Pois a subida do ladrão ficará mais árdua e o fardo tornará mais longo o seu caminho. Assim enxerga a vida, Maria, que só tem energia para a doação, o trabalho voluntário e a compaixão:

– Dr… A gente dá com a mão direita que é para a esquerda não cobrar…

– …Quem faz gratidão não espera recompensa…

Veterinária, “mãezona” de um pastor alemão, três Pudows toy e cinco gatos, respondeu-me quando lhe perguntei o que pretendia com tamanha dedicação.

– Ainda cuido de minha mãe que está doente…

É como se tivesse uma nascente dentro de si, escoando sua produção para os oceanos. Ou como o “ladrão” de uma pia, drenando a água que precisa estar constantemente sendo ejetada, para que não esvazie o compartimento.

– Não tenho marido mesmo…

– Minha maior alegria é quando meu gato sobe em meu colo para que eu possa acaricia-lo.

Esqueceu-se de sua vida pessoal, pois em algum momento, agora como foz e não mais como nascente no rio de sua vida, caiu sob o poder do desamparo e egoísmo. Perdeu seu noivo num acidente, a véspera de seu casamento. Busca afeto com a habilidade de suportar e amparar.

– Não posso nem focar muito um estranho que começo a ver coisas…

Como se sua consciência fosse a existência alheia. Como se os reflexos de um espelho ofuscassem a visão de si:

– A luz me dá dor de cabeça e minha fraqueza me faz comer.

Sente e sofre com medo de tudo, sendo muito susceptível a energias de todo tipo:

– Adoro receber uma massagem…

– Se estiver num lugar que não me sinta bem… Naquele mês, mênstruo sem parar…

– Tenho até que fazer meu crochê ou me dedicar mais a minhas aulas de canto…

A cura de Maria aflorou quando aprendeu através das artes, que a beleza alivia a dor. Atenua a frustração. E organiza as emoções. Pois como nascente sobe, como cachoeira desce, sem coordenação, apenas pela necessidade de fluir nas relações em busca de afeto.

Poder: doação e da solidão; desejo: cuidar e de energia; medicamento: Phosphorus.