Contágio

Diante das calamidades públicas, com morte de quase dois terços da civilização humana até meados do século XIX, os estudiosos da época encontravam naquele ambiente a essência para o estudo do homem. Uma das muitas perguntas que se faziam na época era por que determinadas doenças acometiam uns e não outros. A resposta veio ao longo dos anos seguintes por diversos canais. Através das descobertas dos microorganismos e vetores (mosquitos) como agentes transmissores de doenças, pareceu-nos em determinado momento que havíamos solucionado as causas das moléstias epidêmicas e endêmicas que acometiam o homem.

No que pese a enorme contribuição social que os processos de higienização trouxeram para a sobrevida humana, temos nos deparado freqüentemente na clínica, com doenças endêmicas, multicausais, que assolam a sociedade ocidental com problemas limitados de saúde. A globalização tem evidenciado este problema, tornando refém dessas moléstias as civilizações que mais espetacularmente vivenciam esta cultura. Dentre elas, a americana e a nossa civilização urbana. A obesidade, a ansiedade, a depressão e a criminalidade são exemplos óbvios e atuais desse processo de adoecer e contra os quais temos tido grande insucesso. As ferramentas clássicas de que dispomos são ineficientes ou incompatíveis com qualidade de vida.

O século XVIII, o último antes da revolução microbiana, esmerou–se na identificação de processos patológicos de causa “imaterial” e foi muito feliz em estabelecer nexo entre doenças e sentimentos. Abandono, medo, tristeza e ódio são exemplos de sentimentos encistados em nossa sociedade “moderna” e que identificamos na gênese de doenças, como nas mencionadas anteriormente. Quando vivenciados como uma “semente vegetal, capaz de reter sua capacidade de germinar, durante longos períodos de tempo”, são capazes de se transformar em patologias identificadas pelo médico comum e pela sociedade.

No dicionário de língua portuguesa também se define como doente aquele que sofre de mal moral. E moral é um conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada, relativo ao domínio espiritual (em oposição ao físico ou material). A dor, dentro deste contexto, advém da ausência de reciprocidade dos nossos sentimentos, com os sentimentos alheios e com o ressentimento, e da idéia de que o outro tem interesse oposto ao seu. A inveja e a ira reconhecidamente os piores sentimentos perceptíveis no ser humano, tidos como pecados capitais, recheiam um universo de relações que caracterizam o contágio.

Esta transmissão se dá pessoa a pessoa pela comunicação entre elas, nos ambientes de trabalho, de família, em grupos de amigos, reuniões sociais etc., roubando a força de organização de saúde dos indivíduos sensibilizados, contaminando-os. Logo, a mecânica terapêutica pode ser mais abrangente que as restritas consultas individuais e tem de contemplar o grupo, medicando-o uniformemente, após a identificação da cultura perversa instalada. É vasta, hoje em dia, a disponibilidade no mercado de remédios da fauna, da flora, dos minerais e dos metais que, usados em doses mínimas, segundo uma experimentação prévia, são capazes de fazer germinar a “semente” encistada dentro de nós, autentificando as relações, diminuindo as doenças e melhorando a produtividade dos grupos, das empresas e da sociedade.