Três sets a um… Tarântula hispânica

–         Vai, vai, vai, vai…

–         Bate! Bate!

–         Acerta ela, pô!

–         Valeu! Boa!

–         Mata, mata.

–         Eh, eh, eh, eh, eh, eh, eh …

Dia de Fla X Botafogo no vôlei feminino. Time da casa: Flamengo.

Lembro-me bem do monólogo repetitivo que a líder do rubro negro, determinada pela vitória, deferia com sua equipe. Bem adestrada pelo seu técnico de cara feia e cabelo parafinado, movimentava-se o tempo todo batendo palmas a cada ponto ganho. Na época, eu treinava na escolinha, na sede do clube ao lado da quadra principal. Ao final do meu treino, enquanto esperava meus pais, sempre assistia aos jogos. Os treinos mais pareciam um dia numa delegacia de polícia. O técnico com jeito de surfista encenava gritos e pauladas. Eram sessões sado-masoquistas abertas. Nunca vi meninas tão bonitas apanharem tanto. Era bolada pra tudo que era lado. E as contusões? Aquelas garotas viviam enfaixadas.

Num outro momento, no consultório:

– Doutor, vou morrer pela boca! Quero me casar, mas tenho vergonha de entrar num vestido assim… Ah, só me lembro de estar magra quando jogava…

–         Jogava o quê? – perguntei.

–         Vôlei pelo colégio.

–         Ah, sei. Fale-me um pouco sobre você.

–         Sobre mim? Falar sobre a gente é difícil…

–         Uma qualidade, um defeito…

–         Defeito, todos, agora qualidade…

Sem deixar a bola cair, enfatizei:

–         Adoro defeitos! É sinal de que estamos diante de gente.

–         Brigo muito com meu noivo, sou ciumenta, uma hora estou bem, outra tô mal. Não consigo deixar esta agitação.

–         O que é que te acalma?

–         Quando ele me leva para dançar, transar – tem que ser todo dia pra mim – e ouvir música… Música é bom…

–         Que mais?

–         Acho que sou meio vingativa também…

E continuou contando-me que, desde mais nova, costumava armar quando estava de olho num menino e a concorrência também, sendo capaz de qualquer coisa para aprisionar o objeto de seu desejo.

O jogo estava um set a um e, na arquibancada que era ao lado do banco dos reservas, ouviam-se as estratégias do treinador:

–         Você salta por trás da Suzi, agora pula mesmo, como se fosse bater e deixa o corpo cair que a Dora vai enterrar esta pra gente. “Vamo arrebentá” com elas… Mexendo em quadra, hei, não quero ver ninguém parado… Agita, vai!

Um torcedor do time da casa, que se sentou ao meu lado, abordou-me:

–         Vamos amarrar o time deles. É o jogo da vingança, se precisar pise no pé machucado da levantadora deles.

A derrota na casa do Botafogo deixou todo mundo mordido, tanto a minha cliente que sofria de uma dor tipo agulhadas na coluna, como aquele time de voleibol, acreditavam que poderiam matar pelo desejo. Como num ritual macabro em que o momento de fé manifesta pelo cuidado, era interrompido com movimentos de autoflagelação, algumas meninas do vôlei ao perder o ponto socavam suas próprias cabeças em sinal de veemente penitência.

Perguntei para a noiva de onde vinha esse comportamento:

– Sei lá, doutor! Tive uma infância meio confusa, o meu pai era um militar bravo e batia na minha mãe. Orgulhoso, ensinou a gente a nunca baixar a cabeça pra ninguém, sabe… Ao mesmo tempo, a minha mãe não o largava. Ela dizia que gostava dele… Agora tá com problema de alcoolismo…

A vingança é de fato uma forma eficaz de superar obstáculos e de conquistar. Mas é um erro tratar uma revanche como uma vingança onde é possível até vencer, mas nunca ser um campeão. Ferir aquilo que as fazem viver sem medo de matar ou morrer, como uma faca de dois gumes, essas pessoas como uma viúva negra, que teimam em terminar só, acabam também emboladas em sua rede desferindo suas presas contra si mesma. Minha cliente dizia repetidamente ter pena de seu noivo, temendo pelo fim da relação. A necessidade de submeter suas paixões parece, em sua imaginação, dar-lhes garantias de que serão as únicas a gozarem. Vivem a fidelidade como um pacto de morte e a relação como um fim e não como um começo.

Num lance arquitetado, a líder do Mengão sentiu o joelho.

– Ai!

Gritou ela.

Foi retirada carregada. Cada membro para um lado diferente… E o Flamengo, perguntariam vocês…

– Perdeu pro meu Fogão! Três sets a um. Fo…go! Tum, tum…tá! Fo…go…

 

 

Poder: vingança; desejo: de submeter e submeter-se; medicamento: Tarântula hispânica.