Baile de Máscaras. Platina

–         Bom dia!

–         Oi!

O cheiro do perfume tomou o ambiente com a mesma velocidade que um certo ar “blasê” arrastava minha atenção para aquele corpo escultural. Meio sem fala, ofereci minha ajuda como sempre, na tentativa de redimir-me em minha perplexidade:

–         Em que posso ajudá-la?

–         Na verdade, não estou bem certa. Vim porque minha mãe insistiu.

–         Insistiu no quê?

–         Ela acha que tenho problemas…

–         Que tipo de problemas?

–         Ela implica comigo porque chego tarde em casa. Diz que trato todo mundo como se fossem meus empregados.

Devia ter um metro e oitenta de altura, bustos fartos e um glúteo colossal. A princípio, achei que fosse silicone, mas confesso que fiquei com dúvidas ao realizar o exame físico.

–         Empregados?

–         É a família do porteiro lá de casa, aquela gentinha… Não gosto de gente que fala do que não entende. Imagina que outro dia peguei eles criticando a minha fantasia. Desci o barracão!

Ao começar a falar do carnaval, lembrei-me do meu Rio de Janeiro.

–         Eles não sabem nem o que é um “pespontê”!

Confesso que fiquei com vergonha de perguntar. E continuou:

–         Afinal sou a rainha da bateria!

–         Nossa! Exclamei, derrapando meu olhar pelo tobogã que se formava em seu peito.

–         Se o carnavalesco da escola ouve uma coisa dessas, nem sei. No outro dia, por muito menos vi ele dar um tremelique… Depois de se debater, jogou-se no sofá que trazia o carro alegórico. Foi preciso chamar o padrinho e os seguranças da escola para removê-lo.

A consulta avançava, minha atitude curiosa ajudava a incrementar nossa cumplicidade.

–         Sabe, não foi fácil ganhar esta parada, pois todo mundo quer ser a rainha de bateria. E não tive que dar pra ninguém… O “padinho” abençoou o samba no pé e venceu a melhor, é claro!

–         Você gosta do carnaval? – perguntei.

–         Se eu gosto… Carnaval é a minha vida. Ralo o ano inteiro, malho todo dia e ainda estudo!

–         Está trabalhando?

–         Mexo com moda… Quando não tô numa passarela, tô em outra. E ainda tenho que dar atenção para o namorado que ninguém é de ferro!

Ao contrário do que esperava no início da consulta, comecei a perceber que, por trás daquele brilho, de fato, havia uma estrela de verdade. Há estrelas que ainda brilham mais por dentro que por fora.

–         No fundo, gosto de ver toda aquela mistura: o pobre é milionário, bandido tá na lei, trabalhador-vagabundo, santíssimos com a sacanagem na ponta da língua… Todos cantando o mesmo samba, venerando sua deusa. Não é aquela pequenez irritante do dia-a-dia.

Os enganos são comuns ao avaliarmos o caráter das pessoas. Temos uma tendência a resumir nossas experiências na imagem que vemos pela frente, com uma tendência perversa ao rotular o belo e o feio. É mais fácil, dá menos trabalho que conhecer. Menos trabalho para quê? Pergunto eu! Pois se o fascinante da vida é descobrir. Descobrir quem se esconde atrás do orgulhoe da empáfia. Aproximar-se das pessoas para que possamos trocar energias com elas e não tenhamos de tirar energia só das comidas, do cigarro, do álcool, das drogas ou do dinheiro. Os vícios são esculpidos na base das virtudes. Como forma de sustentar a vida nos movendo numa única direção, fazemos do nosso dom a nossa cachaça diminuindo e renegando outras aptidões. Os vícios, são formas eficazes de aglutinar energias, porém de um tipo só, como a terra que só tem um tipo de mineral… Nada cresce. Esquecemos que podemos trocar simpatia por bondade, humildade por carinho, paciência por gratidão, sinceridade por amizade e boa vontade por perdão.

– A propósito,  acabei não perguntando seu nome.

– Antônio, mas meus amigos me chamam de Tuca.

 

 

Poder: da fascinação; desejo: da majestade; medicamento: Platina.