O buraco e os Elos perdidos da saúde

O buraco e os elos perdidos da saúde
Foi em São Paulo próximo a nova estação do metrô, em construção, que se revelaria aquilo que só se guarda em caixinhas bem fechadas. Fruto provavelmente de algum super faturamento, com o rotineiro sub provimento que, de repente, fez-se um buraco em São Paulo.
Abduzidas foram as casas adjacentes a obra e com elas seguiram algumas almas perdidas. Horas depois do “vácuo” e antes do isolamento viam-se pessoas que tentavam encontrar dentre os destroços aquilo que de maior valor possuíam em suas residências. Lembro-me de um senhor a procura de seus documentos, outro desesperado por rolos de filmes, e uma terceira clamando por suas calcinhas… Se há alguma coisa em que somos diferentes nesta vida está em nossa escala de valores. Valores estes pelos quais devemos conduzir nossas vidas. Ao contrário do “hobie” que praticamos na tentativa de relaxar e quebrar a rotina do trabalho, valores são algo que temos de perseguir com a mesma intensidade que os três procuravam por aqueles objetos ou “elos perdidos”.
Investigando um pouco mais descobri que àquele à procura dos documentos era garçom e frequentador da igreja evangélica. Os filmes tratavam-se de conteúdo familiar, aniversários, encontros natalinos… E a danada da dona das calcinhas? Minha imaginação foi longe…
Foi então que com um pouco mais de conversa, o garçom foi me dizendo que não suportava mais seu trabalho, pois era obrigado a vender aquilo que Deus condenava, bebidas alcoólicas! O cineasta revelava saudades da época que sua família se reunia e que por desavenças particulares e até por disputas de herança, após a morte de seus avós, ninguém mais se encontrou nem nos Natais… Naqueles filmes estavam as melhores recordações de sua vida. Perguntei a ele se tinha constituído família, respondeu que sim, mas que lamentava o fato de que não passamos nem 50% de nossas vidas com as pessoas que mais amamos…
O buraco do metrô, assim como a vida, representa as mudanças súbitas que sofremos. Ao roubar moradias acabamos por lamentar mais pela grandiosidade de pequenos objetos desaparecidos. O “funil” orquestrado por homem e natureza deixava o garçom à procura de seu registro perdido, a ilusão de que um documento de plástico o faria viver uma única identidade de valores em casa e no trabalho, sob um único Deus. Deixava também o rapaz só, com a tristeza agudizada pela ausência de amores, a afetividade familiar que possivelmente não conseguiu reeditar.
E a moça das calcinhas, procurava o quê? Foi quando adentrou em meu consultório a maior de todas as estórias, uma “menina” frágil de 45 anos trazida por uma cliente mais antiga. Queixava-se de uma alergia importante vulvar. Curiosamente ao ser examinada vestia calcinhas de algodão com um conhecido personagem infantil. Foi quando investi com humor na descoberta: “preferes o Pateta ao Mickey, por que não escolheste o rato?” A resposta veio na mesma velocidade: “porque o rato já conheci na minha infância, se chamava pai e era aqui que destilava seu beijo de boa noite”.