Cebolão. Thuya occidentalis

–         Se eu fizer o que preciso, morro, mas se não fizer é a morte. Já não agüento mais estudar esta matéria, tenho prova amanhã e sinto como se não soubesse nada, não consigo nem pensar no assunto… O pior é que a prova é oral e, aí, começo a balbuciar as palavras, esqueço o assunto e parece que tudo começa a girar… O João está com a monografia pela metade, já escreveu mais de 20 vezes e seu orientador manda fazer de novo… Fomos reclamar da professora Maria José com a coordenação, pois é a quinta vez que ela dá a mesma aula. A coordenação diz que ela tem mestrado, doutorado e “pós-doc”. Vai ver que é por isso que só fala da mesma coisa… Tenho medo de reclamar muito e ficar marcado… Aí, o doutor já sabe, nunca mais me aprovam… Estou meio decepcionado, pensei que faculdade fosse outra coisa…

Esta jovem chegou até mim com uma aparência que dava dó. Arrastado por sua sombra, notava sua fragilidade pelo cuidado que assentava seu pé ao chão. O pensamento científico definitivamente não atende às individualidades. Montado para isolar poucas variáveis do fenômeno em observação é concêntrico e move-se numa espiral que afunda, asfixiando o observador. Envolve o objeto em camadas de conhecimento como se fosse uma cebola. Entra em conflito por restringir demais o fenômeno que, no ambiente natural, está em constante transformação e contato com o meio exterior. Esse reducionismo afasta as pessoas da realidade, fazendo-as perder a percepção da necessidade:

– Dr. tenho visto vultos, parece que me vejo fora do meu corpo.

Essa literalidade afastava este jovens de sua mente criativa antenada na multiplicidade de causas integradas à vida, diminui sua audição e sensibilidade, priorizando a agulha à costura, o raciocínio à imaginação, fazendo-os perder a visão:

–         A Joana diz que nem consegue dormir à noite, estuda todo dia até as 3h da manhã, quando lhe vem um soninho… É um xerox atrás do outro. Com a grana que o Matheus já gastou poderia ter comprado pelo menos uns dois livros por semestre, mas o que adiantaria? É o que dizem em aula que cai na prova e toda semana tem uma… Pelo menos temos um caderno legal, o da Marcinha tem tudo, até o “pum” do mestre ela anota… Tem gente que só estuda por ali e ainda vai melhor que ela nas provas… Coitada, dá pena ver o jeito dela na hora que vê suas notas. A mãe dela me falou noutro dia que agora isso virou um ritual, não consegue ter uma conversa comum com ela sem que pegue caneta e papel…

Os rituais esticam o tempo e, por isso, permitem melhor discernimento do que é dito e melhor avaliação de quem diz, mas refletem também dificuldade de compreensão, quando estranhos ao relacionamento comum, afinal, estava com sua mãe em uma conversa ordinária. São como preces ao solicitar ajuda de invisíveis. As provas também são rituais que testam nossa vocação, desafios que quando não superados, apesar de boa preparação, devem ser entendidos como sinais fechados, necessidade de mudança de rota. Destinos invisíveis podem se manifestar como fracassos visíveis.

–         Tem gente na turma fazendo promessa de subir as escadarias da igreja de Nossa Senhora da Penha, de joelhos, se conseguir se formar. É um tal de pedir para salvar a sua alma, que nem sei… “Verrugão” é o apelido do CDF da turma. Ele quis brigar comigo, noutro dia, porque eu havia me encostado nele para ver o que estava escrevendo na carteira… Acho que não precisava daquela cola, o cara só tira dez, mas era prova de farmaco e o mau não ri de si mesmo… O doutor acredita que o titular da cadeira deixou todo mundo em prova final, porque, no dia dos mestres, fizemos uma caricatura do sujeito de asas voando em direção ao céu, com a camisa do Mengão (o time dele, é claro!), recitando parábolas farmacológicas em grego, que saíam de sua boca como raios açoitando os seus alunos indefesos. Achei até uma homenagem legal pro tio. O pior é que ficou puto, pois o Fla perdeu naquela semana e quase foi pra segundona. O cara é fanático, parece que tem dupla personalidade…

O circo montado para o professor, através daquela caricatura, simboliza uma tentativa de união entre o mágico e o real, o professor e o aluno, respectivamente, a aproximação entre a convicção imperativa do domador e o medo angustiado da fera. A realidade da fera é que os alunos nada estavam entendendo sobre conceitos absolutamente inexplicáveis que, para eles, mais pareciam coelhos saindo de uma cartola.

–         Estudar, estudar, estudar!… Ler, ler, ler!… Aula, aula, mais aula!… Já não agüento mais! Isso não é vida…

A proliferação, repetição que aparece no físico como verruga, também se revela nos comportamentos fanáticos repetidos ao extremo, como nos slogans de torcidas organizadas ou propagandas vitoriosas. Albert Einstein disse uma vez que, quando se abre a mente para uma nova idéia, ela nunca mais fica do mesmo tamanho. As universidades, com sua vocação (desejo de crescimento), focam equivocadamente o físico, privilegiando a informação, em vez do metafísico – a imaginação. Vemos muito poucos mestres brincando, falando ou estimulando o absurdo, esquecendo-se de que imaginar sobre o que não se afere é ciência ousada. Einstein fala em mente não em cérebro e essa confusão parece ser a insensatez do corpo docente. O obtuso mestre na frágil escola, por fim, revelou a dicotomia entre mente e cérebro, expressa na punição exemplar da prova final, que pouco provou a não ser a incapacidade de lidar com a singularidade que agora era meu dever resgatar:

– Querida o cérebro – órgão físico – nutre-se de informação, armazena e escoa a produção, esta sim originada na imaginação, propriedade da mente, alimenta-se de “porcarias”, fortalecendo o corpo. Procure o louco, o incerto, o doce ao invés do salgado. As baladas, o desarrumado, drogas, sexo e rock in roll nem sempre fazem mal a saúde…

 

Poder: repetição; desejo: crescimento ordenado; medicamento: Thuya occidentalis.