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Excepcional ou patológico? Mercurius solubilis

  • “Atentado a bomba destrói uma quadra em Israel, matando várias pessoas”.
  • “Padres pedófilos são expulsos…”
  • “Guerra mata mais inocentes que soldados…”
  • “Narcotráfico impede prefeitura de construir em favelas…”

Foram manchetes de jornais como estas que me fizeram pensar naquilo que chama a atenção da gente: o excepcional, aquilo que excede, transborda e, por isso, é notado. Porém, hoje em dia, nem tudo que é estranho à nossa natureza é levado ao médico, como percebi em outras manchetes:

  • “Empresa do ano, pela segunda vez, responde na justiça por crime…”
  • “Estrela da música pop é envolvida com assédio a menores…”
  • “Empresário bem-sucedido é assassinado, junto com a esposa, pela filha e seu namorado…”

Retrocedi no tempo e imaginei essas pessoas antes da revelação dessas manchetes. Figuras de sucesso, excepcionais. Ao mesmo tempo, veio-me uma frase dos tempos da adolescência quando a saúde física me prometia tudo que era imaginado: cuidado com o que deseja, que você pode conseguir… Conseguir, vencer, conquistar e dominar são poderes comuns à nossa volta, quando usados em si mesmo, como vemos nos grandes atletas, são sinônimos de superação, mas, quando usados sobre o outro, transformam-se em pecado mortal, imperdoável.

Voltei-me aos meus atendimentos rotineiros. O próximo a entrar em meu consultório trajava um distinto uniforme que não conseguia esconder seu cheiro ou mesmo limitar seus movimentos desengonçados:

– Ô, “doc”…

Seu desespero aumentava enquanto procurava saídas para ele:

  • Não sei mais o que faço com esta úlcera na minha perna… Não posso mais vestir minhas botas…

Atormentado pelos meus questionamentos, invoquei-os:

– Como?

  • Não sei, começou com uma feridinha e deu no que deu…

Inquieto com o tumor ulcerado que tinha em sua perna, foi logo se protegendo em sua patente:

  • Sou capitão-tenente da OM (organização militar) de abastecimento…

Referiu-se ainda a um sonho repetido que tinha e associou o mesmo a uma noite tranqüila:

  • Ô, “doc”, só consigo descansar bem depois que mato alguém no sonho e pode ser qualquer um, basta duvidar de mim…

Somando-se a essa história, o dentista que trabalhava comigo no ambulatório havia me contado que esse paciente não cuspia no escarrador após os procedimentos. Esbravejando que isso era frescura, engolia um sem número de amálgamas de mercúrio, resíduo de algumas restaurações, como se fosse o seu rancho. Fiz o diagnóstico toxicológico. Ao sugerir o tratamento, percebi de imediato a mudança de tom em seu rosto. Quando falei em homeopatia para tratar aquele repulsivo “brocotoma” em sua perna, fez cara de enganado, tonteando imediatamente a cadeira que o apoiava… Não preciso dizer que nunca mais o vi e quase fui “pro baileu”. Alguns boatos chegaram aos meus ouvidos pelo cabo que me assistia e parece que o sujeito arrancou aquilo com uma faca… Nossa senhora!

As manchetes não saíam da minha cabeça, pensava sobre as coisas que ouvia naquele ambulatório, sobre os heróis excepcionais que, se afastando da normalidade, trouxeram anestesia, na forma de insensibilidade e destruição sobre o caráter institucional desse movimento, e, então, pude entender mais sobre nós, sobre o país, sobre os governos ditadores a quem nos submetemos. Enfim, sobre toda essa herança. Em meio ao perdão, acenou dentro de mim a resposta: o excepcional é patológico. É como o menino gênio que só sabe matemática e atribuímos a ele honras ao mérito em geografia, história e, ainda, esperamos que nos ensine inglês. Dessa forma, se comportam as instituições gigantes que só são capazes de ver aquilo que é do seu tamanho, cometendo equívocos grosseiros.

As forças armadas, assim como todos os tipos de máfias e a própria igreja, são modelos excepcionais aqui estereotipados, mas que estão presentes em diversas empresas ou grupos menores, que compartilham dessas características. São manifestações extremas de controle sobre si mesmas, quer pelas regras, pela devoção ou pela consciência, respectivamente. Como traço comum, a fidelidade é mais importante do que a coerência. Frutos do monoteísmo, na crença em um único poder, sofrem ao acreditar que este poder vem de cima: do general, do chefe ou do Papa. Trabalham com a fascinação, pois isso, é excepcional. Zelam pela unidade e usam como instrumento a obediência, engrenagem para movimentar seu corpo conforme seus pensamentos. A hierarquia e os rituais são a tônica, recorrem aos invisíveis de sua cultura e à necessidade para sustentar seu patrimônio e sua atuação. Os gigantes são conhecidos pelo raciocínio lento e concreto, pela miopia, e sua burrice adulta ameaça a imaginação da criança. Isso caracteriza estruturas rígidas, excepcionais e milenares. Porém, é por não perceberem as coisas pequenas, como os resíduos de mercúrio que adoeceram o capitão, que se curvam à destruição. Afinal, foi um pé de feijão que salvou João e uma pedrinha, a de Davi, que matou Golias.

 

 

Poder: disciplina; desejo: dominar; medicamento: Mercurius solubilis.

Pra ontem, Medohrinum

Por que os pianistas não desenvolvem LER (lesão por esforço de repetição) com a mesma freqüência que os funcionários daquela seção? Foi a pergunta que fiz àquela funcionária da central de atendimento ao cliente, CAC como era chamada. Não estou falando daqueles pianistas do Congresso Nacional, que votavam pelos seus colegas e, por isso, foram assim apelidados pela imprensa, mas dos profissionais da música. Afinal, o pianista exerce sua função de forma mais intensa que essas profissionais do teclado. Seu tempo de dedicação é muito maior, ultrapassando as seis horas por dia da jornada de trabalho dessas funcionárias. Além da repetição incansável dos acordes que o treinamento diário de um músico exige. Foi por essa janela, a de uma funcionária com as mãos endurecidas, afastada há seis meses do serviço e com ligações especiais com a diretoria, que adentrei nessa empresa de assistência médica.

  • A instabilidade lá é um negócio impressionante, gerente não pára. Já apelidaram o cargo até de suicídio sem morte”.

As decisões são todas emergenciais, estamos sempre correndo atrás de um caso complicado… A sinistralidade não pára de subir… É tudo pra ontem, doutor. Noutro dia, peguei um dos donos chorando agressivamente, diante do chefe da emergência de um dos seus maiores hospitais, dizendo que não podia mais perder dinheiro. Vi a chefia lá da CAC, de dentro de seu aquário (sala de vidro), pegar o seu sapato, colocar em cima da mesa e ameaçar uma funcionária. Eu mesmo já fiz vários relatórios, mas nada que tenha mais de uma página é lido por alguém. Não há comunicação na empresa, o que é decidido lá em cima, só ficamos sabendo na hora de “assinar a promissória”. Nunca ouvi a palavra planejamento ser colocada em prática por mais de uma dupla de funcionários. O diretor não pára na sala dele. Noutro dia, foi até engraçado, pois ele se virou subitamente como se alguém tivesse cutucado suas costas. Tem gente no setor que vive com uma sensação de areia nos olhos. Acho que é por causa dos computadores. Às vezes, exagero nos detalhes: junta um dos donos da empresa, o diretor, o gerente, o supervisor e a atendente, todos resolvendo um mesmo caso, sem se lembrar de decisões anteriores de sucesso ou de processos previamente elencados. Parece que todo mundo chegou ontem à empresa. Ególatras machistas, mulher lá só tem vez quando fala e age como homem.

Conforme contava sua história, lembrava-me de uma lenda africana sobre uma frágil menina que queria se transformar numa guerreira poderosa e, para isso, saiu de casa muito jovem para capturar o feiticeiro que comia os homens de sua tribo, escravizando as mulheres que não paravam de trabalhar para atender aos seus caprichos. Esses não eram poucos e mudavam a todo o momento sem propósito. O que viesse a sua cabeça, aquilo que pudesse colocar em movimento, era a opção do momento que tinha para exercer seu poder e não sentir a dor. Continuei a ouvi-la:

  • Sabe, doutor, acabei me envolvendo afetivamente com um dos poderosos lá de dentro, o mais temido, por sinal, e o mais agitado. Está sempre de cara feia. Que mau humor!
  • Mas o que te atraiu nele? – sussurrei.
  • Mas isso é só de dia, à noite, ele é outra pessoa. Muito mais alegre.

A dor a que me refiro, na lenda, era de um espinho envenenado que se posicionava no dorso daquele malfeitor, colocado lá por membros da tribo como provação de coragem. Ninguém sabia mais disso naquela região, a não ser por um velho ancião, que já nem mais pertencia ao grupo encontrado por aquela menina, em sua peregrinação.

  • Já não sei como ajudar mais, ele é casado e não dá conta nem de seus quatro filhos, quanto mais de mim. Tenho é que me afastar dele, pois sinto-me culpada.

Foi então que me peguei aconselhando como o velho fez, na lenda, com a menina:

  • Tire o espinho envenenado.

Lançou-me um olhar surpreso, mas, após contar-lhe a história, retrucou:

  • Impossível, ele não deixa a gente se aproximar tanto assim, parece que anda encostado na parede, com o olhar para todos os lados.

Segui, então, com a explicação do velho:

  • É porque a dor a que foi submetido para a colocação do cravo envenenado foi tão grande que não permitiria a sua retirada, pois a sentiria novamente temendo a loucura. Por isso, é tão agitado para não abrir um flanco em sua retaguarda.

No conto, a jovem que queria ser respeitada um dia, uma guerreira, conseguiu tirar o espinho envenenado do feiticeiro. Os primeiros sinais manifestaram-se na natureza que retomou o ciclo da vida, a começar pela primavera, depois pelo verão, pelo outono e, finalmente, pelo inverno, trazendo para a região a estabilidade das estações do ano, antes açoitadas por incessante ventania. Seu tamanho diminuto, da menina, a ajudou a chegar ao espinho com mais facilidade, sem ser percebida pelo feiticeiro, assim como a paciente que pelo afeto operou sua alquimia, trazendo seu amor a uma consulta. Da mesma forma, fazem os transformadores de cultura numa organização: entram no jogo, aproximam-se do poder e, com um olhar submisso, tornam-se pequenos até ter o tamanho de um afeto, dessa maneira, penetram no coração da empresa, mudando os seus rumos para sempre. Conforme se submetia ao tratamento, deixava de lado o poder de submeter os outros ao seu momento, ao seu tempo. Senhor da tempestade, poder este que impedia a construção de uma empresa melhor, mais do que ninguém só desejava no início o prazer, mas na pressa só fazia ventar e nada construir.

Assim como o feiticeiro, não engolia ou matava os homens da tribo ou demitia os trabalhadores honestos, apenas os transformava em objetos obedientes. Deixava que acreditassem nisso, pois isso multiplicava o seu poder. Depois de curado, esvaziado de seu egoísmo e em vias de demitir-se, pois já não fazia o perfil da empresa, noticiou-me o encontro do verdadeiro amor: trazendo um convite de casamento com aquela que, agora já mexendo com destreza suas mãos, sorria ao seu lado. Tanto na lenda como nesta história, observamos a transformação da menina em mulher, do feiticeiro em doutor e deste doutor aqui, que vos fala, em aprendiz, pois perguntei novamente e, desta vez com resposta, por que os pianistas desenvolvem menos LER que as meninas do serviço de atendimento?

– Sabe, doutor, nós, atendentes, ao teclar as queixas emergentes e desamparadas do nosso cliente, as sentimos como se fossem nossas, por isso adoecemos, já o pianista, bem, só ouve a voz do seu coração.

 

 

Poder: mudança pelo tempo; desejo: crescimento desordenado; medicamento: Medohrrinum.

Imagem, silêncio e som. Staphysagria

Numa noite só, eu refletia:

Olho pro chão e meus pés ali estão.

Estendo o pescoço e vejo um planador…

À frente um vazio, quisera eu um desafio.

Mórbida semelhança o mar sem calor,

Amor sem furor, cirurgia sem dor…

 

Um passo adiante

E a imagem semelhante, apenas repetia…

Gestual insignificante

Que outrora amante

Agora paralisia.

 

Silêncio… Nem paz, nem tormento

Só expressa o sentimento

Da saudade, simplicidade.

Um convento,

obra da bondade

com o sofrimento.

 

Eis que de repente

pela fresta da oração

adentra em meu coração

que quase não sentia,

o sorriso flamejante do vulcão

fertilizante,

fingia que morria.

 

Meus pés me fizeram saltar.

Sabia que pra frente não iria.

Agora, em minha mente o planador

aplana a dor do que temia.

Viver sem euforia,

sem calor,

pois, enquanto escrevia,

ouvia uma canção de amor.

 

No dia-a-dia do meu trabalho, via:

  • Não consigo revidar à altura da agressão. Meu medo é me descontrolar e arrancar um olho de quem estiver lá do outro lado da linha. Mas, em vez disso, sinto-me mal e com vontade de chorar.

Estava eu no interior de uma agência de caça a CDs piratas, através de uma “superpaciente”, sim, super, pois fazia de tudo, inclusive ouvir reclamações dos “clientes”, ou melhor, dos “piratas”. Chegou com queixa de insônia que a fazia despertar às 4h da manhã, trazendo com ela uma colega, com idéias persecutórias:

  • Sou quieta, acho até que as pessoas são boas, mas não posso nem ouvir o telefone em casa que já penso que é uma ameaça ou seqüestro de algum familiar.

E continuavam a descrever aquele ambiente:

  • Ouço tantas barbaridades no trabalho e não devo dizer nada, pois pode complicar o processo.
  • Os cabelos de todo mundo na empresa estão caindo…
  • Tem uma menina lá que foi operada de apendicite. Sua ferida nem cicatrizou direito e já está de volta ao trabalho…
  • Tem gente com MBA, tendo de lidar com gente daquela classe…

Foi então que num tom secreto, mas altivo, uma delas disse:

  • A única coisa que me alivia é me masturbar quando chego em casa…
  • Estou ficando tarada, doutor? Estou? Prefiro isso a transar com meu marido…

Claro, pensei, e retruquei:

–         Você busca um alívio imediato, não a troca ou o prazer…

E ela continuava:

  • Já sei de várias colegas que foram até a diretoria pedir demissão, mas eles não aceitaram…
  • Noutro dia, ouvi dizer que, quando chega em casa e tem de alimentar a tartaruga que o filho ganhou, chora de dó do peso que a coitada carrega nas costas… Tá ou não tá ficando todo mundo doido?

O que há de semelhante entre a poesia apresentada primeiramente e a situação real vivida a posteriori é o retrato da indignação, do sofrimento de quem sente o poder do insulto e coloca-se distante sem expressar reação. Normalmente, observados em serviços de telemarketing e atendimento ao cliente, cujos rituais de respostas padronizadas desfiguram o ser e o serviço. Em contraponto, um desejo de criação, construção pura e digna e até inocente, manifesta-se nos currículos do pessoal, daqueles que, pela nobreza de seus ideais, estudaram e esforçaram-se para subir num pedestal solitário. Nesse movimento, negaram a mediocridade implícita do crescimento profissional. Crescimento sem fé, do poder, do dinheiro e da posição, pois quem quer que esteja em ascensão em um mundo que reverencia o sucesso deve ser suspeito, já que esta é uma era de psicopatia.

Essa empresa estava em colapso, não pelo que apresentara de resultado no ano anterior, mas pelo que viria a gastar com ausências de todo tipo, a começar pelos famosos “atestados de saúde”. Atendi também a chefe do departamento pessoal que me dizia que a pirâmide de crescimento da empresa era um tijolo embaixo e um triângulo em cima, pequeno, aliás. Essas criaturas lidavam com gente de “sucesso”, de dinheiro e de posição, gente que durante anos sem fiscalização reforçou a falsa crença de que o destino estava a seu favor e eles no caminho certo.

Um ano depois do primeiro atendimento e medicada homeopaticamente, observei que os insultos que aquela gente sofria pela desqualificação altiva a que se submetia transformaram comportamentos inocentes, de negação ou até de convicção onipotente pela turma de fiéis que desembainhavam as ações nobres de seus ideais, em comportamentos potentes, à medida que, pelo medo das retaliações, aumentaram sua fé.

 

 

Poder: insulto; desejo: creação; medicamento: Staphysagria.

Controladoria, Ignácia amara

  • Porra, eu já falei que não quero que mexam em minhas coisas! Cadê aquele desgraçado que eu mandei pagar aquela conta e ainda não voltou? Acho que vocês estão me confundindo com qualquer um! Comigo não!

Ao contrário do que podem estar pensando, não é desse chefe do departamento de pessoal, de um escritório de contabilidade, que, aos berros, dirigia-se aos seus funcionários, que vamos falar. Mas daqueles que, calados, ouviam os gritos desse que também era um dos sócios da empresa. Estamos falando dessas pessoas que, dos laços afetivos, fazem um cativeiro, colocando a necessidade acima da razão, transformando seus erros em tragédias.

  • Ajuda aqui, ela está pesada!
  • Doutor, ela começou a chorar e caiu no chão, desmaiada.

Sua face estava congelada, assim como sua disposição em reagir. Era uma das responsáveis pelo fechamento do caixa no dia de pagamentos dos funcionários. E por esses colegas foi trazida até o pronto-socorro.

  • Todos nós dependemos daquele trabalho, doutor.

Conforme seus colegas que a acompanharam até o local, todos estavam sob forte pressão, pois, se cometesse algum erro de cálculo, eram obrigados a repor o dinheiro de seu próprio bolso e havia ocorrido um grande desfalque nas contas.

  • Apesar de grosseiro, nosso chefe é uma pessoa justa.

A culpa assumida implícitamente naquela frase, sem que ninguém houvesse perguntado nada sobre a causalidade da turbulência, justificava o medicamento que seria empregado.

  • Tem gente com uma úlcera no estômago, outros com infecções de garganta de repetição, tem horas que a repartição fica vazia com tanta gente no médico.

Depois dessas observações, ficou claro que se tratava de uma doença epidêmica que contaminara a todos, assim como a paciente que chegou carregada. Aos dias que se seguiram, um após o outro, murmuravam-se queixas que, somadas, confirmavam o diagnóstico que paralisava a empresa. Ao mesmo tempo, ouviam-se na ante-sala alternâncias de humores de pessoas que, quase sem conseguir respirar de tanto rir, diziam:

  • Não posso freqüentar hospitais e enterros que fico assim… Quá, quá, quá…

Só tinha visto tais reações num grupo de teatro que freqüentava. Toda vez em que chegava a hora de fazer a encenação só se ouviam risos histéricos e incontroláveis. Foi então que decidi usar essa ferramenta para tratar do restante que se encontrava no local. Fui rindo também e pedi:

  • Mais alto, agora só pode falar sorrindo…

Sorrir também é contagioso, assim como chorar, e eis que, pela lei do semelhante, curando o semelhante, os nervos foram se acalmando e a paz se restabeleceu.

Há circunstâncias em que o medo toma conta da vida e, quando essa contradição se apodera de nosso espírito, temos de perceber que alguma coisa está errada. O medo de perder o emprego que aquela gente tinha era proporcional ao sofrimento a que se submetiam. O poder da humilhação transforma desejos gigantescos de expressão em espasmos sentidos fisicamente:

  • Doutor, tenho um bolo na garganta que não consigo tirar!
  • Não consigo ter relações sexuais com meu namorado, que tranco tudo!

Estamos lidando com uma situação em que tanto o desmaio como as contrações, ao contrário de histeria que estamos acostumados a diagnosticar, é um processo transformador do jugo da necessidade na escuridão dos pensamentos, convertendo todas as emoções para o íntimo de seus sonhos:

– Doutor, sonho colorido toda a noite, desde pesadelos até que sou um pássaro…

Vitimados pelas mesmas circunstâncias, outros, sem remorso, sorriem compulsivamente. Mas todos, sem exceção, anseiam pela liberdade.

 

 

Poder: humilhação; desejo: liberdade de expressão; medicamento: Ignácia amara.

O Bote, Lackesis trigonocephalus

A partir deste capítulo, resgataremos a nossa visão sobre saúde comunitária, mostrando como determinados conceitos podem atuar de forma tão eficaz como ocorreu nas epidemias infecciosas da Idade Média. Também abordaremos como essa forma de contágio, que se dá pessoa a pessoa, pode ser tão devastadora quanto a dengue, a febre amarela e outros males que açoitaram e ainda maltratam nossa gente. E, ainda, como a homeopatia com sua ação peculiar, somente em pessoas sensíveis, pode nos servir não só individualmente, mas também a ecossistemas de relação. Mostraremos que determinados grupos adoecem apenas por serem suscetíveis a determinadas formas de poder, cujos conceitos vividos por todos em determinado momento nos atingem de diferentes maneiras. É como se estivesse num bote descendo um rio, em que a elevação da cabeceira do barco corresponde à imersão da popa, sacudindo as pessoas que ali se encontram. Umas refletindo o desequilíbrio intrínseco da situação não suportam e caem, outras se arranham e algumas nunca mais andarão de bote novamente. Essas maneiras diferentes de reação, somadas, constituem arquétipos de medicamentos homeopáticos, perfis patológicos ou gênio epidêmico que, se analisados e tratados por nós, podem significar um avanço de saúde da população contaminada. Os capítulos seguintes vão expor casos de verossimilhança, aos quais tive a oportunidade de conhecimento, por meio do atendimento individual que fiz em meus pacientes.

Criadora e criatura – uma entrou muda e a outra mais parecia um radinho de pilha:

  • Vocês viram, vocês viram? O ganhador da loto mora aqui!

Aqui era uma cidadezinha de mais ou menos mil habitantes, onde o vento faz a curva, como se dizia antigamente. A menina não parava de falar, discurso inteligente, expressões e vocabulário de gente grande. A criadora entrou calada com olhar desconfiado, imaginando que ali já pudesse estar o abonado vencedor. A notícia espalhou-se rapidamente pela cidadezinha e não tardou a começarem as especulações:

  • Aposto como é o seu Tibúrcio da farmácia…
  • Que nada, esse já é endinheirado, Deus não iria presenteá-lo duas vezes.

A febre logo se espalhou e não tardou a aparecerem as brigas e os candidatos.

  • Agora é a minha vez, vou calar o bico de todo mundo, pague aí uma rodada dupla de “oldeight” pra moçada…

Não tardou a se aproximar o gerente da agência do Banco do Brasil, para conhecer o afortunado que ainda não havia se apresentado. Sem falar nas “quase donzelas” que já se esmeravam em lançar seu charme multicor:

  • Meu cabelo, eu quero bem louro…
  • Trate de pintar minhas unhas com as cores da moda. Ameixa, é claro…
  • Eu quero aquele vestido vermelho ali…
  • Bem decotado, hein! Não gosto de nada me pegando no pescoço!
  • Olha aqui, se eu te pegar jogando o charme para ele de novo, eu te mato!

O ciúme e a desconfiança imperavam, as amizades eram terminadas em poucas palavras, entrelaçar de olhares se misturava à orgia que se esculpia atrás das portas. Valia até feitiço para encontrar o maldito, aquele que tirara a paz daquela pacata cidade. Assim como as serpentes que desejam tecer os seus destinos, sofriam todos o poder de uma promessa não cumprida que, mesmo nunca prometida, mas imaginada, arrancava lentamente a saúde dessa gente.

Não demorou para que o pequeno posto de saúde batesse seu recorde de atendimento. Cheguei a ver uma mulher indo para a pequena sala de cirurgia com diagnóstico fechado de apendicite aguda, até que uma mancha de sangue, sem que fosse iniciado o corte, sutilmente por debaixo das cobertas, revelou a loucura e um grande desconforto na sala:

  • Ela está menstruada.

As dores de cabeça também não deixavam por menos, exigiam não menos que tomografias computadorizadas e, em alguns casos, ressonância magnética. O prefeito acionou a polícia para encontrar o dito cujo, responsável pelo déficit de caixa daquele mês, pois esses exames só eram realizados na cidade vizinha e a enfermidade era tamanha que os pacientes dependiam de ambulância UTI para transportá-los.

  • Minha filha não pára de vomitar, acho que é uma virose.
  • Amiga da Lite, disse o doutor sobre aquele caroço na boca do João! Essa fofoca está me sufocando…

E assim continuaram os transtornos, em sua maioria nada que tenha lesado o corpo, a não ser por aqueles já doentes que pioraram ainda mais seu estado de saúde ou por outros que ficaram com uma impressão tão forte do ocorrido, que decidiram abandonar todos os bens materiais e viver pregando o amor e a compaixão. Desses tenho algumas notícias, dez anos se passaram e uma cartomante famosa, forjada naquela mesma época, disse-me que já havia constatado o óbito de pelo menos quatro.

Assim, temos a doença de hoje, rica em sintomas, pobre em exames com diagnóstico explícito, de alta morbidade e desconforto, múltiplas causas, imperceptíveis ao próprio sujeito e que, sem intervenção, com o mesmo fim das demais.

A propósito, nunca se descobriu o nouveau riche, ou melhor, especula-se que aquele bilhete foi encontrado com um dos anões do orçamento, lá no Congresso Nacional.

 

 

Poder: traição; desejo: seduzir; medicamento: Lackesis.

O inferno é o outro, Lycopodium clavulatum

“O inferno é o outro…”

É muito comum ao analisar uma pessoa doente nos focarmos nos seus sofrimentos desenvolvendo uma compaixão que ajuda a terapêutica, mas, algumas vezes, não nos deixa perceber aquela pessoa, diante de uma situação de menor fragilidade.

Uma moça, sentada e chorando debaixo de uma árvore antiga e frondosa, buscava refrescar a sua alma na única sombra daquela vastidão arenosa. Foi quando entre um soluçar e outro, perguntou para si própria:

– Por quê sou gorda?
Uma voz respondeu:
– Porque você come demais!
Assustada, retrucou:

– Quem está falando? Socorro!

– Larga de ser boba mulher, que estou muito velho para brincar de pique-esconde.

– É você, senhor?! Me desculpe, mas nunca conversei com um carvalho antes…

– Também nunca sentou aí embaixo ninguém que eu não conseguisse cobrir totalmente com minha sombra.

– É, tá querendo dizer que eu sou gorda mesmo.

– Snif, snif! Não fale assim, pois não fica bem para uma árvore milenar como eu, começar a chorar.

– Árvore não chora.

– Quem disse isso a você, além de pesada é ignorante.

– Tá bom, desculpa.

– Oh, garota! Olhe pra cima. Está vendo este monte de frutas aqui dependuradas.

– Não… Espere, tem uma lá em cima, mas está muito alta.

– É isso aí, toda vez que alguém me conta uma história triste, cai uma fruta… Elas são as minhas lágrimas, sua idiota.

– Pode xingar, eu sei que sou isso mesmo, é igualzinho quando a Marta começa a brigar com as meninas.

– Lá vem este papo outra vez de “minha chefe é isso, minha chefe é aquilo…”

– Que minha chefe o quê, a Marta é minha funcionária.

– Funcionária? Então a demita, ora bolas…

– Demitir a amante do dono da empresa, se bobear ela é que me puxa o tapete. Pensava que era amiga dela, mas agora vejo que tenho é medo de sua arrogância.

– Hum! E o que tem haver a comilança com isso?

– Tem que para melhorar o clima entre as meninas, compro pão de queijo, deixo em cima da mesa para que todas possam comer e quando percebo, comi tudo sozinha…

– Ah, Ah, Ah!, mas é uma imbecil mesmo.

– Imbecil é você, seu carvalho de meia tigela, velho e solitário, tomara que um raio caia em sua cabeça.

Foi quando de repente viu-se uma luz cair do céu e espatifar o carvalho em mil pedaços. Ao observar os restos do carvalho, a moça percebeu que tinha se transformado em uma planta rala e rasteira, um Lycophodium. Sem que tivesse tempo para levantar a cabeça, a fruta que outrora se escondia no carvalho, caiu em suas mãos. Como num piscar de olhos a garota comeu a fruta que deliciosamente abateu sua fome e sua sede. Mas qual não foi sua surpresa, ao chegar na semente de formato esquisito, que parecia se mexer. Ficou então, ali posicionada, olhando-a embevecidamente e bem no centro da semente ali estava sorridentemente brincando de roda: ela, o carvalho e a Marta…

Inferno é um lugar tão escondido quanto a semente do carvalho, que guarda segredos de nós mesmos, contidos em nosso subconsciente. Procuramos nos acolher, como no carvalho, sob aquilo que nos parece comum e não nos ameaça. E somos vítimas da arma que carregamos conosco.Na verdade a garota, o carvalho, o Lycophodium e a Marta são a mesma pessoa, em momentos diferentes, alimentando-se da arrogância – o fruto do carvalho. Apesar de utilizar o poder de subjugar o outro, o desejo essencial dos sujeitos é a segurança, manifesta quando “ela”, num momento de fragilidade, senta-se à sombra dela mesma, o carvalho. E revela-se ao sofrer as chacotas da árvore maldita, que sequer a refrescava – só parecia frondosa – ameaçando-a com seus próprios medos, até vê-la se transformar naquilo que ela é: uma planta rala e rasteira.
Para fazermos um diagnóstico e ajudar estas pessoas corretamente, é necessário olharmos para o contexto em que elas estão inseridas, os relacionamentos que têm, de que sofrem e como reagem às farpas que, quotidianamente, são atiradas ao leu e as procuramos desatentamente por parecer um carvalho frondoso e refrescante.

Poder: arrogância, desejo: segurança pela autoridade, medicamento: Lycopodium

Pérola, Calcárea carbônica

Disse uma ostra para uma outra visinha:

– Sinto grande dor dentro de mim! É algo pesado e redondo que me deixa deprimida…

A outra sorridente agradecia ao céu e o mar por estar sã e em completa comunhão com a natureza. Foi quando passou um caranguejo que ao ouvir a conversa falou:

– Sim você está boa e sã, mas a dor que sua colega tem, é uma pérola de excessiva beleza…

Uma pérola é um templo construído pela dor em torno de um grão de areia. Todo bom e grande homem que conheci, tinha alguma coisa pequena em sua formação, que o incomodava, mas ao mesmo tempo o impedia da inatividade, loucura ou suicídio. Assim como as tartarugas medindo cada passo de suas vidas, essas pessoas, conheciam melhor a estrada que os velozes coelhos. Porém quando adoecem essas características se transformam em lentidão, fragilidade, deficiência nutricional, mesmo que obesas e quando suas idéias não conseguem se transformar em realidade ficam obsessivos:

– Não consigo pegar um copo d´água que fico com minhas pernas doces…

– Acho que estou ficando louco, há um medo que me possui…
Enquanto suava na cabeça, Pedro dizia sentir um frio que se configurava em suas mãos e pés gelados. Desejava se sentir tão seguro que decidiu trabalhar um tempo como carcereiro voluntário em um presídio e perguntado do porquê de tal atitude, respondeu:

– Lá eu sei o que fazer para que nada me aconteça… É diferente de você estar na rua se escondendo atrás de uma bala perdida, que pode te achar…

Obstinado, sofria pelo poder do inusitado, da surpresa, daquilo que o movimento das marés podem nos trazer que não esperamos. E no seu caso esperava sempre algo ruim. Desejava controlar seu futuro e a cada dia que passava se dedicava mais aos negócios. Precavido em demasia já havia tomado um “sem número” de remédios e chegou absolutamente indiferente quando do falecimento de seu filho, que relatava como se fossem coisas da vida…

– Tudo bem, Deus quis assim…

Lembro-me depois de iniciado o tratamento, que queixava-se de piora geral, lembranças do seu pequeno o faziam chorar:

– Minha gota que já havia sarado voltou…

– No outro dia acordei com uma batedeira no peito danada, fui até ao cardiologista, mas ele disse que não era nada os exames estavam todos normais…

– Dr não tenho nem mais vontade de ficar trabalhando, o que é que vai ser de mim…

Ao contrário do que Pedro poderia pensar, o fato de estar sentindo novamente era um sinal flagrante de melhora, estava reconstituindo seus nervos, sua sensibilidade. O que pretendia certamente era também controla-los, mas isto sem dúvida não é saúde.
A fé dele foi fundamental para persistir no tratamento, pois aos poucos suas preocupações com o futuro foram sumindo, sua atenção ao presente aumentando, o prazer pelas pequenas coisas retornando até perceber que já não mais carregava aquela concha, um fardo certamente maior que a proteção que ela mesma poderia lhe dar.

Poder: surpresa; desejo: saúde e bem-estar; medicamento: Calcária carbônica.

Fluxo, Phosphorus

Estamos subindo para o cume de nossos desejos e se algum alpinista roubar sua comida e sua bolsa e ficar gordo e pesado. Será digno de pena. Pois a subida do ladrão ficará mais árdua e o fardo tornará mais longo o seu caminho. Assim enxerga a vida, Maria, que só tem energia para a doação, o trabalho voluntário e a compaixão:

– Dr… A gente dá com a mão direita que é para a esquerda não cobrar…

– …Quem faz gratidão não espera recompensa…

Veterinária, “mãezona” de um pastor alemão, três Pudows toy e cinco gatos, respondeu-me quando lhe perguntei o que pretendia com tamanha dedicação.

– Ainda cuido de minha mãe que está doente…

É como se tivesse uma nascente dentro de si, escoando sua produção para os oceanos. Ou como o “ladrão” de uma pia, drenando a água que precisa estar constantemente sendo ejetada, para que não esvazie o compartimento.

– Não tenho marido mesmo…

– Minha maior alegria é quando meu gato sobe em meu colo para que eu possa acaricia-lo.

Esqueceu-se de sua vida pessoal, pois em algum momento, agora como foz e não mais como nascente no rio de sua vida, caiu sob o poder do desamparo e egoísmo. Perdeu seu noivo num acidente, a véspera de seu casamento. Busca afeto com a habilidade de suportar e amparar.

– Não posso nem focar muito um estranho que começo a ver coisas…

Como se sua consciência fosse a existência alheia. Como se os reflexos de um espelho ofuscassem a visão de si:

– A luz me dá dor de cabeça e minha fraqueza me faz comer.

Sente e sofre com medo de tudo, sendo muito susceptível a energias de todo tipo:

– Adoro receber uma massagem…

– Se estiver num lugar que não me sinta bem… Naquele mês, mênstruo sem parar…

– Tenho até que fazer meu crochê ou me dedicar mais a minhas aulas de canto…

A cura de Maria aflorou quando aprendeu através das artes, que a beleza alivia a dor. Atenua a frustração. E organiza as emoções. Pois como nascente sobe, como cachoeira desce, sem coordenação, apenas pela necessidade de fluir nas relações em busca de afeto.

Poder: doação e da solidão; desejo: cuidar e de energia; medicamento: Phosphorus.

Missão Espiritual, Arsênicum album

– A senhora é brava?

– Ah… De vez em quando eu agito…

– Agita com o que?

– Eu vivo abusada da minha felicidade!… Nunca apanhei dos meus pais, vou apanhar de qualquer coisa…

– Que coisa?

– Do velho que tem lá em casa…

– Seu marido?

– É, essa coisa aí…

Dona Juraci chegou com “queimações” por todo o corpo, problemas de saúde e continuava a falar:

– Eu gosto das coisas de acordo e limpas, se não tá bom eu falo mesmo e acho que é isso que incomoda aquele “bebum”…

Seu dom era o da sobrevivência, seu desejo o da correção e o poder que lhe afligia, o da ameaça de vida. Vindo de uma família humilde na roça, filha do meio de 10 irmãos, sete vivos provou muito cedo a responsabilidade da maternidade ao cuidar de pelo menos 3 irmãs mais novas. A disciplina e os cuidados que se impôs durante anos foram essenciais para a manutenção da sua vida e de seus familiares. Viveu esta lei e assumiu esta moral em cada instante de sua vida. Cresceu, progrediu e se formou enfermeira zelando pela limpeza e perfeição nos procedimentos que realizava. Este aprendizado não ganhou na universidade, mas nas divisões de tarefas e comida que executou com liderança em sua infância pobre. Preocupava-se consigo e com os quais compartilhava seu amor:

– Fico nervosa com minhas irmãs quando saem de casa, essa violência toda aí nas ruas, só durmo depois que elas chegam das festas…

Ansiedade marcada pelo que ia acontecer sempre ganhava uma conotação emergencial, desnudando o seu medo de morte. Pavor de ser enterrada viva, Dona Juraci, dona da verdade alcançou seu objetivo e sobreviveu. Brincava dizendo:

– “Eu faço o que eu quisé…”

Foi quando lembrei-me de uma frase, “cuidado como o que você deseja, que você pode conseguir…” Esta frase implica uma sabedoria ancestral arraigada nos mitos gregos e romanos. Assim como na história do deus Dionísio que ao atender ao pedido de um homem que queria ser rico, dotou-o de um dom: tudo que tocasse viraria ouro. Ou mesmo o dom que Apolo deu a Cassandra, o da visão profética… Ambos se tornaram vítimas de suas próprias qualidades, o primeiro, sem conseguir comer e beber pois todo alimento que colocava na boca transformava-se em ouro e Cassandra que só dizia a verdade e por isso foi considerada louca por seus concidadãos troianos… Assim como a Dona Juraci exercitava a verdade da vida, verdade essa muito difícil de ser enxergada por outros… Cegava-os diante da luz intensa que emana da pureza da matéria bruta, a realidade.

Para vencermos essa realidade desenvolvemos habilidades que são como ferramentas potentes, mas que podem ter mal uso. Na verdade o potencial da doença existe em todos os dons e não é porque temos uma habilidade que temos de experimenta-la obsessivamente (repetidamente), vividos de forma unilateral sem compartilhar, aprendendo, ensinando e monoteisticamente, como se fosse esta a única verdade, a verdade suprema, adorando-a acima de todas as outras coisas ou pessoas… Pois desta forma estaremos rompendo com o equilíbrio necessário a própria vida, dilacerando a própria saúde.

A estrada do exagero, às vezes leva ao palácio da sabedoria e foi assim, aprendendo com a própria dor que Dona Juraci começou a se descuidar ou melhor cuidar-se. Engravidou, até meio fora de época, dessas que parecem desorganizar, um recado da própria vida… Linda… A beleza daquela menina suscitou-a a imaginar um futuro melhor, melhores idéias e projetos, de pensamento em pensamento foi construindo uma vida melhor. Deu o nome a menina de Rosa, e viu-se curada quando percebeu que sonhar era mais importante que viver…

Poder: correção; desejo: viver, sonhar; medicamento: Arsênicum album.

Elemento básico, Natrum muriaticum

Estava deprimido, triste e melancólico. Era 10 h da manhã… De um lado o deserto do outro o mar. Minha boca estava seca, salgada e com rachaduras nos cantos. Meus calos e calcanhares cortados, meu corpo magro e fatigado eram o retrato daquele amor perdido que tanto castigara meu coração que agora palpitava como se quisesse sobreviver. Confortava-me com a solidão e a dor latente na cabeça como se mil martelos pequenos me golpeassem, debruçavam – me sobre meu corpo. Quando estava quase tocando o chão com a minha testa pude vislumbrar um ponto brilhante. Minha vista fraca, olhos irritados e rochos permitiram – me ainda focar o objeto e como num suspiro antes mesmo de desmaiar consegui me esticar, pegar a pedra e curiosamente coloca – la na boca e experimentar.

Ao acordar já era noite e o gosto de sal deixado pela pedrinha entre minha saliva, recordou – me aquele último movimento antes de perder os sentidos. Aos poucos minha mente acordava e com ela algumas repostas surgiam. Costumava perguntar:

Por que as coisas não davam certo para mim?

Cheguei a fazer até um curso de Marketing, e me convenci que a saída era os cinco P: preço, prazo, praça, produto e prestígio, mas:

– “Puts q’uil paril” o sexto e sétimo“P”, sempre me atrapalhava e era “prejuízo” na certa.

– Paiê… Socorro!, Na tentativa de que o nono “P” me ajudasse, gritei… Foi quando ouvi uma vós lá do fundo conversando comigo:

– O que você procurava?

– Ah! Eu queria ser feliz, alegre, ter um monte de amigos e alguém que me amasse de verdade…

– E porque você sempre procurou isto no claustro, na intemperança, sem saborear o pouco que podia conter uma mastigação?

– Como assim?

– Se abster de conviver, de riscos e da dor, é não experimentar a própria vida. Se isolar é sucumbir ao poder do silêncio é tentar modificar pela ausência, pela dor que sua falta pode causar ao outro, mas que acaba por arrastar você mesmo… Olhava para você morrendo de sede ao lado dessa imensidão de água.

– Mas não podia beber era água salgada…

– Por isso não és feliz… o que tinhas em mãos não era água mais sal…

– Quer dizer então que foi você que me salvou?

– Tinhas milhões de pedrinhas ao seu redor capaz de reorganizar todos os seus fluidos, mas querias outro… “Proibidos a sua natureza”… Foi apenas naquele instante em que nada mais podias pensar, que libertastes sua mente, que eu pude lhe aconselhar a um primeiro gesto… O de colocar o sal sob sua alma…

– Como assim primeiro gesto?

– Gesto é um movimento que se realiza para elevação da alma, e até aquele momento você só queria morrer, paralisar…

– Obrigado Senhor por me salvar!

– Engano seu, não sou um “Senhor”, sou a vida e esta não salva ninguém, apenas lhe dá a semente (o sal), para que você possa plantar… reorganizar-se e construir sua felicidade…

Poder: claustro; desejo: contato; medicamento: Natrum muriaticum.