Imagem, silêncio e som. Staphysagria

Numa noite só, eu refletia:

Olho pro chão e meus pés ali estão.

Estendo o pescoço e vejo um planador…

À frente um vazio, quisera eu um desafio.

Mórbida semelhança o mar sem calor,

Amor sem furor, cirurgia sem dor…

 

Um passo adiante

E a imagem semelhante, apenas repetia…

Gestual insignificante

Que outrora amante

Agora paralisia.

 

Silêncio… Nem paz, nem tormento

Só expressa o sentimento

Da saudade, simplicidade.

Um convento,

obra da bondade

com o sofrimento.

 

Eis que de repente

pela fresta da oração

adentra em meu coração

que quase não sentia,

o sorriso flamejante do vulcão

fertilizante,

fingia que morria.

 

Meus pés me fizeram saltar.

Sabia que pra frente não iria.

Agora, em minha mente o planador

aplana a dor do que temia.

Viver sem euforia,

sem calor,

pois, enquanto escrevia,

ouvia uma canção de amor.

 

No dia-a-dia do meu trabalho, via:

  • Não consigo revidar à altura da agressão. Meu medo é me descontrolar e arrancar um olho de quem estiver lá do outro lado da linha. Mas, em vez disso, sinto-me mal e com vontade de chorar.

Estava eu no interior de uma agência de caça a CDs piratas, através de uma “superpaciente”, sim, super, pois fazia de tudo, inclusive ouvir reclamações dos “clientes”, ou melhor, dos “piratas”. Chegou com queixa de insônia que a fazia despertar às 4h da manhã, trazendo com ela uma colega, com idéias persecutórias:

  • Sou quieta, acho até que as pessoas são boas, mas não posso nem ouvir o telefone em casa que já penso que é uma ameaça ou seqüestro de algum familiar.

E continuavam a descrever aquele ambiente:

  • Ouço tantas barbaridades no trabalho e não devo dizer nada, pois pode complicar o processo.
  • Os cabelos de todo mundo na empresa estão caindo…
  • Tem uma menina lá que foi operada de apendicite. Sua ferida nem cicatrizou direito e já está de volta ao trabalho…
  • Tem gente com MBA, tendo de lidar com gente daquela classe…

Foi então que num tom secreto, mas altivo, uma delas disse:

  • A única coisa que me alivia é me masturbar quando chego em casa…
  • Estou ficando tarada, doutor? Estou? Prefiro isso a transar com meu marido…

Claro, pensei, e retruquei:

–         Você busca um alívio imediato, não a troca ou o prazer…

E ela continuava:

  • Já sei de várias colegas que foram até a diretoria pedir demissão, mas eles não aceitaram…
  • Noutro dia, ouvi dizer que, quando chega em casa e tem de alimentar a tartaruga que o filho ganhou, chora de dó do peso que a coitada carrega nas costas… Tá ou não tá ficando todo mundo doido?

O que há de semelhante entre a poesia apresentada primeiramente e a situação real vivida a posteriori é o retrato da indignação, do sofrimento de quem sente o poder do insulto e coloca-se distante sem expressar reação. Normalmente, observados em serviços de telemarketing e atendimento ao cliente, cujos rituais de respostas padronizadas desfiguram o ser e o serviço. Em contraponto, um desejo de criação, construção pura e digna e até inocente, manifesta-se nos currículos do pessoal, daqueles que, pela nobreza de seus ideais, estudaram e esforçaram-se para subir num pedestal solitário. Nesse movimento, negaram a mediocridade implícita do crescimento profissional. Crescimento sem fé, do poder, do dinheiro e da posição, pois quem quer que esteja em ascensão em um mundo que reverencia o sucesso deve ser suspeito, já que esta é uma era de psicopatia.

Essa empresa estava em colapso, não pelo que apresentara de resultado no ano anterior, mas pelo que viria a gastar com ausências de todo tipo, a começar pelos famosos “atestados de saúde”. Atendi também a chefe do departamento pessoal que me dizia que a pirâmide de crescimento da empresa era um tijolo embaixo e um triângulo em cima, pequeno, aliás. Essas criaturas lidavam com gente de “sucesso”, de dinheiro e de posição, gente que durante anos sem fiscalização reforçou a falsa crença de que o destino estava a seu favor e eles no caminho certo.

Um ano depois do primeiro atendimento e medicada homeopaticamente, observei que os insultos que aquela gente sofria pela desqualificação altiva a que se submetia transformaram comportamentos inocentes, de negação ou até de convicção onipotente pela turma de fiéis que desembainhavam as ações nobres de seus ideais, em comportamentos potentes, à medida que, pelo medo das retaliações, aumentaram sua fé.

 

 

Poder: insulto; desejo: creação; medicamento: Staphysagria.