Como acreditar numa intervenção? Jesinho e a limonada Suíça.

Jesinho estava gripado e foi orientado pela sua mãe a tomar uma limonada. No caminho da escola para casa viu 2 barracas: uma de limonada e mais adiante outra de limonada Suíça. A primeira custava R$ 1,00 enquanto a segunda R$ 1,70. Como só tinha 1,50 no bolso optou pela primeira. No dia seguinte, ainda não melhor da gripe, decidiu tomar a Suiça, pois, Pedrinho, o dono da segunda barraca, disse que a concentração de vitamina C da Suíça era muito maior, por isso melhor para saúde. No terceiro dia já melhor, levou para a escola sua tese: a limonada Suíça do Pedrinho é melhor para a gripe! Na semana seguinte Quinzinho vendo seu concorrente ter a preferência da garotada, decidiu vender limonada Suíça também… E para não perder os clientes que já tinha manteve o preço de R$ 1,00 pela limonada, agora Suíça. Como saber:

1) Se a limonada suíça é de fato melhor para a saúde que a limonada comum. Ou se é a limonada Suíça do Pedrinho.

2) Se de fato foi a limonada que curou a gripe do Jesinho, ou se foi uma evolução natural da enfermidade. A gripe em média pode durar 3 dias mesmo.

3) Se o preço que Pedrinho cobrava pela limonada suíça não estava muito elevado, deixando-o rico explorando podres alunos, sem ter que bisbilhotar a vida dele.

Estas questões permeiam muitas situações que vivemos: desde a opção por uma terapêutica, a escolha por um modelo melhor de gestão.

Estabelecer uma relação entre causa e efeito entre uma intervenção (as limonadas) e um desfecho (a saúde de Jesinho e da garotada), é sem dúvida fator crucial, para justificar, sua escolha. Para discutirmos esta relação de causalidade encontramos no clássico texto de Sir Austin Bradford Hill, professor emérito de estatística médica da universidade de Londres, as melhores sugestões e respostas. Diferentemente da idéia de associação, causalidade tem uma relação imediata e direta ao contrário da primeira que pode ser remota e indireta. Analisando de outra forma o efeito deve ser intenso o suficiente para chamarmos esta relação de causalidade ( a limonada foi a causa da melhora da gripe). Desta forma a cadeia completa de eventos que levaria a mudanças no estado gripal do Jesinho, poderia até permanecer não revelada (como os cuidados da mãe, tempo de sobrevida do vírus, boa alimentação, repouso…), mas a limonada Suíça teria uma importância diferenciada ao compararmos os resultados gerais (incluindo os históricos) contra os resultados após a introdução da limonada Suíça. Para atribuímos real valor a esta intervenção não podemos deixar de comentar os critérios que Hill elencou como importantes para se atribuir causalidade, tornando a limonada Suíça recomendável:

1)                           Força de associação. Esta forma de análise não tem haver apenas com os fatores de exposição (limonada Suíça) capazes de modificar um objeto (sujeito, Jesinho gripado), mas também com a quantidade de pessoas não expostas ao suco que tiveram ou não melhora da gripe. Para tal seria necessário escolher bem estas pessoas (amostra), de modo a colocá-los numa mesma linha de largada (linha de base) para que nenhum grupo saia na frente com muitas diferenças (critérios de inclusão). Observar outros elementos (variáveis) que poderiam tornar um grupo mais resistente ou frágil que outro (os cuidados da mãe, o tempo de enfermidade, a idade e gravidade da doença…). Estabelecer bem o critério de cura (desfecho). E finalmente comparar os 2 grupos (podendo usar métodos estatísticos ou não).

2)                           Consistência. Para Hill respostas repetidas observadas numa variedade de situações, diferentes técnicas expressas prospectiva ou retrospectivamente são importantes para a atribuição causal. Outras análises envolvendo diferentes enfermidades, em barracas diferentes, com pessoas diferentes ou em momentos diferentes. Análises de casos e controles, coortes, ensaios clínicos, estudos translacionais ou ainda técnicas qualitativas como grupo focal, inquéritos em profundidade… Poderiam não só demonstrar a validade da limonada suíça como revelar outra variável importante nesta situação.

3)                           Especificidade. Aqui postula-se o fato de que além da limonada ter melhorado as condições de saúde dos alunos daquela escola, a gripe foi quase extinta naquele verão em contraposição a uma melhora menos enfática de outros problemas de saúde. Parecendo haver um tropismo da limonada para esta enfermidade, a gripe.

4)                           Temporalidade. É a associação linear temporal que notamos entre a ingesta da limonada e a melhora do Jezinho. Aqui devemos ter um cuidado. Desfechos com processos (períodos de latência) muito arrastados. Gripes já presentes e não claramente identificadas ou já melhoradas, não saberemos se a limonada curou a gripe ou se a melhora da gripe fez Jesinho procurar limonada. Neste caso o aconselhamento da mãe sugere que a limonada antecede a melhora da gripe.

5)                           Gradiente biológico. O fato de tomarmos mais limonada ou a Suíça, batida com a casca do limão, mais concentrada, aumentaria a velocidade ou o número de casos de resposta do organismo em direção a cura. O aumento da dose com conseqüente aumento da resposta sugere causalidade.

6)                           Plausibilidade. Depende do conhecimento anterior, do reconhecido mecanismo de ação da intervenção. No caso aqui a vitamina C é um potente estimulador da imunidade. Atenção! Nem tudo que funciona é conhecido o mecanismo de ação!

7)                           Coerência. Nossa interpretação não deve conflitar seriamente com nosso conhecimento prévio. Neste caso se soubéssemos que limão faz mal a saúde deveríamos procurar outra causa da melhora do Jesinho ou nem perder tempo algum em estudar o assunto.

8)                           Experimento. Ver de fato se medidas preventivas relacionadas afetam a freqüência de associação. Se dermos limonada para todo mundo, poderá haver diminuição dos casos de gripe. Mas cuidado, algumas medidas além de muito custosas, podem não ser muito seguras!

9)                           Analogia. Último e menos importante fator para sugestão de causalidade, nono colocado na hierarquia de Hill. Experiências anteriores podem ser usadas para sugerir causalidade. Neste caso há 5 anos atrás havia um fato: muito menos ausência por gripe quando a merenda escolar oferecida era somente uma cestinha de frutas.

Por fim, após realizados os trabalhos seguindo estes princípios, observaram que a limonada de fato teve uma ação preventiva nas gripes escolares. Que a Suíça do Pedro era a única que realmente melhorava a saúde. Descobriram mais tarde analisando os processos do Quinzinho que sua limonada era feita sem lavar os limões antes de batê-los no liquidificador, com corante artificial para suprir a ausência substancial da fruta e finalmente chegaram a conclusão que a Suíça da barraca do Pedrinho era quase de graça, saúde total por apenas R$ 1,70!

P.S.: A barraca do Quinzinho continuou aberta e fazendo concorrência a do Jesinho. Seus amigos continuavam a comprar a sua limonada, sem olhar para a do Pedrinho. Aqueles que não conheciam os estudos da escola e os que gostavam do gosto de corante também iam na primeira barraca que avistavam…