Missão Espiritual, Arsênicum album

– A senhora é brava?

– Ah… De vez em quando eu agito…

– Agita com o que?

– Eu vivo abusada da minha felicidade!… Nunca apanhei dos meus pais, vou apanhar de qualquer coisa…

– Que coisa?

– Do velho que tem lá em casa…

– Seu marido?

– É, essa coisa aí…

Dona Juraci chegou com “queimações” por todo o corpo, problemas de saúde e continuava a falar:

– Eu gosto das coisas de acordo e limpas, se não tá bom eu falo mesmo e acho que é isso que incomoda aquele “bebum”…

Seu dom era o da sobrevivência, seu desejo o da correção e o poder que lhe afligia, o da ameaça de vida. Vindo de uma família humilde na roça, filha do meio de 10 irmãos, sete vivos provou muito cedo a responsabilidade da maternidade ao cuidar de pelo menos 3 irmãs mais novas. A disciplina e os cuidados que se impôs durante anos foram essenciais para a manutenção da sua vida e de seus familiares. Viveu esta lei e assumiu esta moral em cada instante de sua vida. Cresceu, progrediu e se formou enfermeira zelando pela limpeza e perfeição nos procedimentos que realizava. Este aprendizado não ganhou na universidade, mas nas divisões de tarefas e comida que executou com liderança em sua infância pobre. Preocupava-se consigo e com os quais compartilhava seu amor:

– Fico nervosa com minhas irmãs quando saem de casa, essa violência toda aí nas ruas, só durmo depois que elas chegam das festas…

Ansiedade marcada pelo que ia acontecer sempre ganhava uma conotação emergencial, desnudando o seu medo de morte. Pavor de ser enterrada viva, Dona Juraci, dona da verdade alcançou seu objetivo e sobreviveu. Brincava dizendo:

– “Eu faço o que eu quisé…”

Foi quando lembrei-me de uma frase, “cuidado como o que você deseja, que você pode conseguir…” Esta frase implica uma sabedoria ancestral arraigada nos mitos gregos e romanos. Assim como na história do deus Dionísio que ao atender ao pedido de um homem que queria ser rico, dotou-o de um dom: tudo que tocasse viraria ouro. Ou mesmo o dom que Apolo deu a Cassandra, o da visão profética… Ambos se tornaram vítimas de suas próprias qualidades, o primeiro, sem conseguir comer e beber pois todo alimento que colocava na boca transformava-se em ouro e Cassandra que só dizia a verdade e por isso foi considerada louca por seus concidadãos troianos… Assim como a Dona Juraci exercitava a verdade da vida, verdade essa muito difícil de ser enxergada por outros… Cegava-os diante da luz intensa que emana da pureza da matéria bruta, a realidade.

Para vencermos essa realidade desenvolvemos habilidades que são como ferramentas potentes, mas que podem ter mal uso. Na verdade o potencial da doença existe em todos os dons e não é porque temos uma habilidade que temos de experimenta-la obsessivamente (repetidamente), vividos de forma unilateral sem compartilhar, aprendendo, ensinando e monoteisticamente, como se fosse esta a única verdade, a verdade suprema, adorando-a acima de todas as outras coisas ou pessoas… Pois desta forma estaremos rompendo com o equilíbrio necessário a própria vida, dilacerando a própria saúde.

A estrada do exagero, às vezes leva ao palácio da sabedoria e foi assim, aprendendo com a própria dor que Dona Juraci começou a se descuidar ou melhor cuidar-se. Engravidou, até meio fora de época, dessas que parecem desorganizar, um recado da própria vida… Linda… A beleza daquela menina suscitou-a a imaginar um futuro melhor, melhores idéias e projetos, de pensamento em pensamento foi construindo uma vida melhor. Deu o nome a menina de Rosa, e viu-se curada quando percebeu que sonhar era mais importante que viver…

Poder: correção; desejo: viver, sonhar; medicamento: Arsênicum album.